sábado, 25 de junho de 2011

"JOVEM", UMA CUNHÃ DE MUITA FIBRA

                            
             Por Nilson Montoril

Dona Juventina desfilando no baile da 3ª idade, em 2009. Ela caprichava no visual e esbanjava vitalidade e simpatia.Faleceu no dia 23/6/2011, na véspera do baile de São João que ela tantro aguardava.

Juventina Corrêa de Oliveira, natural de Abaetetuba, Estado do Pará é uma valente cunhã que se criou no “Rio do Céu”, município de Afuá. Despontou para a vida no dia 2 de agosto de 1908, por obra de Bruno Corrêa de Oliveira e Maria da Conceição Corrêa de Oliveira, seus pais. Seu genitor abandonou a família para viver com outra mulher, deixando Dona Maria Corrêa enfrentando muitas dificuldades. Juventina ainda era criança, mas participava do esforço que sua genitora e os irmãos mais velhos desenvolviam para assegurarem o mínimo necessário para o sustento da família. Em 1928, então com 20 anos de idade, Juventina casou com João Pereira da Silva, natural de Viçosa, seu esposo que um grave acidente de carro tirou de sua convivência na cidade de Macapá. Juventina e João decidiram vir morar em Macapá porque pretendiam dar aos filhos melhores condições de vida. A cidade tinha sido elevada à condição de capital do Território Federal do Amapá e passava por aceleradas transformações. Várias atividades desenvolvidas pelo governo territorial careciam de mão de obra não especializada e ofereciam remuneração relativamente condigna. Em fevereiro de 1953, João, Juventina e os filhos chegaram a Macapá e ficaram instalados na casa de Dona Raimunda Penafort, prima de Juventina, que residia no Remanso, pelo lado sul da Fortaleza, área que hoje integra o bairro Santa Inês. Quem precisava deixar a casa de Dona Raimunda para ir ao centro da cidade ou dele deslocar-se até o Elesbão tinha que enveredar por um tortuoso caminho que cortava uma área rotulada como “Baixa da Maria Mucura”. Seguindo a máxima interiorana de que a vida do caboclo é de dia na agricultura e à noite na criatura, João Pereira da Silva agiu como um autêntico artilheiro e quase monta um time de futebol. Coadjuvado por Juventina, ele produziu oito bruguelos: Pedro, Marcionila, Miguel, Aldenora, Antônio, Isaura, Vivaldo e Francisco. Morando na beira do Rio Amazonas, os moradores do Elesbão tinham a possibilidade de comprar peixe, camarão, banana, farinha, açaí e outros produtos por preço menor que o praticado pelo comércio macapaense. João arranjou um emprego como lenheiro na Olaria Territorial, cujo diretor era Belarmino Paraense de Barros, o líder do bairro do Trem. João foi admitido como diarista e seu pagamento saía à conta de rendas internas. Não tinha Carteira Profissional e mesmo que a possuísse a Superintendência da Olaria não podia assiná-la. Seu trabalho consistia em cortar e transportar lenha para os fornos da Olaria Territorial onde se fazia a queima das peças produzidas em barro destinadas às obras públicas governamentais. Numa das viagens da caçamba que transportava lenha, João foi selecionado para seguir na basculante do veículo até a localidade de Ilha Redonda. Pedro, o filho mais velho que contava 15 anos o acompanhou para pescar. A estrada “Transamapá”, atualmente chamada BR 156 era estreita, sem pavimentação e sempre apresentava perigo, principalmente porque os motoristas não tinham tanta experiência, mas mesmo assim abusavam da velocidade. Era o dia 23 de junho de 1953, uma data que Dona Juventina não gosta de lembrar. Ainda assim, conta detalhes do acidente. A caçamba capotou três vezes e ao parar ficou sobre parte do corpo de João Pereira. Ele ainda respirava quando foi resgatado. Transferido para o Hospital Geral de Macapá em estado grave não resistiu aos ferimentos e fraturas. João sofreu um corte na cabeça que lhe arrancou o couro cabeludo e danos fatais na caixa torácica. 
Assim eram as  instalações da  Olaria Territorial, onde o João Pereira trabalhou como diarista e desenvolveu a atividade de lenheiro.A parte que vemos em primeiro plano corresponde aos fundos do pavilhão próximo ao Igarapé da Fortaleza. Aí ficavam as prateleiras onde as peças feitas em barro eram colocadas para secar. No térreo estavam istalados os fornos para queima de tijolos,telhas, ladrilhos e manilhas. O igarapé da Fortaleza passava onde hoje é a Av. Padre Júlio.

O Governo do Território, na pessoa do Secretário Geral, Dr. Hildemar Pimentel Maia, prestou irrestrito apoio moral e material à família do falecido. Como o senhor João não era funcionário do quadro permanente, Dona Juventina Corrêa não teve direito a pensão. Entretanto, recebeu uma razoável indenização e com o valor dela comprou uma casa no bairro do Trem, edificada no mesmo local onde ela ainda reside ,à Avenida Diógenes Gonçalves da Silva, nº. 412. O Governador Janary Nunes estabeleceu que de 15 em 15 dias Dona Juventina deveria receber um paneiro de farinha e dois quilos de outros gêneros de alimentação preponderantes em uma cesta básica. Cabia à Comissão Territorial da Legião Brasileira de Assistência fornecer os alimentos. Também houve a oferta de emprego para os filhos Miguel e Vivaldo, na Olaria, o que foi aceito.

Tendo o apoio governamental quanto à alimentação, Juventina decidiu tocar a vida vendendo mingau de milho, de banana, tacacá, bolo de macaxeira e beijo-de-moça. Bem cedo, os filhos mais velhos carregavam a mesa, os bancos e demais apetrechos para a área posterior ao Mercado Central que ainda não havia sido inaugurado. Sua freguesia aumentou depois do dia 13 de setembro de 1953, data da entrega do Mercado Central à população. O açaí era amassado à mão ao anoitecer e tinha freguesia certa. O Miguel, o Vivaldo e a Aldenora ganhavam as ruas carregando 4 litros do pingoso, cada um, dentro de paneiros. Dessa forma a família sempre ganhava algum dinheiro. Posteriormente, o Miguel e o Vivaldo passaram a trabalhar na Olaria Territorial carregando tijolos. Ganhavam por unidade transportada e quando recebiam o pagamento, entregavam o dinheiro a Dona Juventina. Outra passagem triste da vida de Dona Juventina decorreu do falecimento do Pedro, vitimado pela cirrose hepática e da Marcionila. O Miguel também vendeu pão produzido na padaria do senhor Rocha e na Fábrica Amapaense.  Depois, aos 14 anos trabalhou na carpintaria da Guarda Territorial sob a orientação do Pedro da Silva Santos, conhecido como Biroba. Esse cidadão que reside atualmente em Soure, era mestre em marcenaria, destacado músico da Banda da Guarda Territorial e de alguns conjuntos musicais que aqui existiam. Miguel não era Guarda e sim carpinteiro. O aprendizado com o Biroba lhe foi útil e o ajudou a atuar com afinco no Grupo de Reparos da Secretaria de Obras, na C.R. Almeida e da Mendes Júnior. Na oficina da Guarda Territorial ganhava como recibado porque não era membro efetivo da corporação. Miguel e Vivaldo estudaram no Grupo Escolar Alexandre Vaz Tavares. Vivaldo vendeu “sonho”, pirulito e açaí. Em 1971, foi aprovado em concurso público para ingressar na Guarda Territorial. Como soldado circulou por várias localidades do interior do Território do Amapá. Em 1974, a Guarda Territorial deixou a Fortaleza de São José e passou a ocupar o prédio erguido na gestão do Governador Ivanhoé Gonçalves Martins destinado a Policia Militar, Em 1977, em decorrência da criação da Polícia Militar e de sua regulamentação, muitos soldados territoriais foram incorporados à nova organização.
Indaguei a Dona Juventina se o açaí que ela amassava era bom. Como não tem sapo que não gabe a sua lagoa ela respondeu que sim. O processo de preparo do açaí contava com a participação das filhas e da empregada. Quando o petróleo ficava pronto e engarrafado ela vaticinava aos filhos: “Vão vender o açaí. Vendam tudo senão vocês vão apanhar.” Depois que ficou viúva, Dona Juventina trabalhou diuturnamente. Ainda arranjou disposição para lavar roupa para particulares e para namorar o José Justino Alves de Araújo com o qual teve os filhos José Maria Correa e Sandra Correa de Oliveira.

Dona Juventina vive na companhia do filho Francisco Correa de Oliveira e da mazaganense Maria Neuza do Nascimento Flexa, um misto de nora e de “Anjo da Guarda”. A despeito de ser o mais novo dentre os filhos da primeira remessa, Francisco arcou com a responsabilidade de permanecer morando com Dona Juventina. É que ele era solteiro e seus irmãos e irmãs tinham constituído família. Francisco trabalhou na Prelazia de Macapá, na Prefeitura de Mazagão e presentemente exerce suas atividades no Ministério do Trabalho. Neusa é Técnica em Enfermagem e dispensa grande atenção a Dona Juventina e a acompanha quando das viagens que a Associação Amapaense Pró Idoso realiza. Juventina, Jovem ou Guita é membro da associação e já andou pelo Paraguai, Argentina, Uruguai e várias cidades do Brasil. Só em Beto Carreiro Word ela já esteve três vezes. Juventina completará 102 anos de idade no dia 2 de agosto de 2010. Em outros tempos foi imbatível nas provas de natação e corrida aquática disputadas por idosos. Conquistou 36 medalhas e 3 troféus. Enquanto teve desembaraço para desfilar reinou como Miss Caipira nos folguedos juninos da terceira idade. A fotografia que ilustre este artigo indica que ela gosta de andar bem arrumada. Atualmente recupera-se de uma cirurgia e ostenta o titulo de Miss Simpatia da Associação Amapaense Pró Idoso. Na próxima colônia de Férias Juventina certamente estará presente. Na última participação caiu da rede, fraturou a bacia e ficou 5 meses acamada. Para isso faz fisioterapia e recebe o carinho de todas as pessoas que lhe querem bem. (Artigo publicado no Jornal de Domingo, suplemento do Diário do Amapá em 2010)

            NOVA INSERÇÃO ( 23/6/2011)

Na manhã do dia 23 de junho de 1011, por volta das l0 horas, recebi um telefonema do amigo César Bernardo dando conta de que Dona Juventina Corrêa de Oliveira havia falecido às 5h30 no Hospital São Camilo e São Luiz. Estive em sua residência por volta da 11h30 onde seu velório estava sendo feito. Seu sepultamento ocorreu dia 24 de junho. Ela tinha sido internada no dia 8 de junho devido a um AVC que deixou imobilizado o lado esquerdo do corpo. Liberada alguns dias depois foi recuperar-se em casa. Entretanto, seu estado de saúde já estava bastante abalado, ocasionando-lhe falência múltipla dos órgãos. Seu coração deixou de bater no mesmo dia em que, em 1953, a morte roubou do seu convívio o esposo João Pereira da Silva. Agora, certamente no lugar que Deus reserva aos justos, os dois devem estar reunidos, matando uma saudade que durou 58 anos. Juventina Corrêa de Oliveira faria 103 anos dia 2 de agosto de 2011.



SEU MANUEL, "O POPULAR PAU FURADO"




             

          Por Nilson Montoril


Seu Manuel é o primeiro à direita da foto. Na época ele usava apenas uma bengala. Os demais populares eram moradores de Mazagão que retornariam pra casa aproveitando uma carona na ubá "Caça Níquel", do comerciante Francisco Torquato de Araújo que já estava na proa da embarcação.(Arquivo Nilson Montoril)


                        Moreno, corpo esguio e rosto marcado pelo sofrimento, assim era o seu Manuel, um deficiente físico que vivia da caridade pública na cidade de Macapá. Morava em um prédio que fora construído pelo governo do Território Federal do Amapá para abrigar o “Restaurante dos Operários” e servir de abrigo aos que vieram de outras plagas para trabalhar na construção de diversos prédios públicos e que viviam em alojamentos precariamente edificados. Os trabalhadores permaneciam naquele local pelo tempo necessário para construírem suas casas em lotes que a Divisão de Terras e Localização distribuía. O restaurante acabou sendo rotulado de Barracão dos Imigrantes, ficava na esquina da Rua São José com a Avenida Professora Cora Rola de Carvalho. Pelo centro dessa segunda via pública passava a tubulação do primeiro sistema de esgoto de Macapá. A área era tão alagada que foi preciso construir-se pequenos pilares para manter os tubos fora do lamaçal. No inicio seu Manuel usava apenas uma grossa bengala para sustentar a mudança de passo da perna esquerda. Depois se fez imprescindível trocar a bengala por uma muleta relativamente desgastada para poder se deslocar, haja vista que a atrofia da perna esquerda se agravara. Quase não falava e a dentição lhe era escassa. A despeito de ser deficiente físico, seu Manuel caminhava bastante. Seu ponto preferido para sentar-se e ver o tempo passar era a calçada da residência da senhora Sofia Mendes Coutinho, situada no canto da Avenida General Gurjão com a Rua São José. Ali ficava horas a fio observando tudo que se passava no centro histórico de Macapá. À tarde, quando a maré enchia por volta das 16 horas, seu Manuel deixava a calçada e rumava para o trapiche major Eliezer Levy. Com muito aprumo caminhava sobre a longa ponte até alcançar o ancoradouro frontal. Á época existia na cabeça do trapiche um abrigo coberto destinado a passageiros e cargas miúdas. Era o local onde seu Manuel ficava fitando as águas do Rio Amazonas e acompanhando a chegadas dos reboques a vela provenientes da região das ilhas do Pará, que traziam açaí, frutas e peixe. Tudo era vendido rapidamente aos costumeiros fregueses, principalmente às mulheres amassadeiras do nosso rico e gostoso “petróleo”. À conta da caridade dos caboclos seu Manuel sempre voltava para o barraco com alguns peixinhos frescos, suficientes para o preparo de um reanimante caldinho. Ele também podia ser encontrado sentado na calçada da Igreja de São José proseando com o amigo Ponciano ou sobre a panela da rede de esgoto da Avenida Cora de Carvalho. Todo mundo se admirava de o ver escalando aquele objeto alto sem pedir a ajuda de terceiros.
Esta foto é de 1949. Observe que a igreja está com pintura nova. Ela havia passado por uma reforma coordenada pelo Padre Mário Limonta. À esquerda da foto vemos a Casa Paroquial. Era na ponta da calçada, à direita do templo que o "Pau Furado"gostava de ficar sentado.(Foto de Arquivo da Diocese de Macapá)

                        As crianças que tão bem conheciam seu Manuel não lhe faltavam com o respeito. Algumas evitavam passar perto daquele cidadão desvalido porque os próprios pais diziam que iriam chamar o “Pau Furado” caso os filhos não se comportassem direito. A mesma coisa falavam em relação ao senhor Benedito Lino do Carmo, o Congó. A molecada da Matriz até que tentava tirar um dedo de prosa com seu Manoel, mas ele falava meio embrulhado e somente as pessoas pacientes conseguiam entendê-lo. Se naquele tempo os políticos distribuíssem dentaduras, a pronúncia do “Pau Furado” seria melhor. Nunca consegui saber de que localidade veio seu Manoel. Algumas pessoas diziam que ele era proveniente da ilha do Marajó e teria contraído paralisia infantil. A origem do seu apelido e o complemento do nome de batismo jamais foram descobertas. Seu Manuel detestava ser apelidado. No tempo de manga ele fazia a festa. Primeiramente amassava bem a fruta. Depois, chupava a poupa, devorava a casca e fazia um malabarismo tremendo com o caroço dentro da boca. Ao ser jogado fora, o caroço estava branquinho da silva. Seu Manuel residiu no Barraco dos Operários até morrer, no final da década de 1960. O propósito do Governador Ivanhoé Gonçalves Martins em melhorar o aspecto urbano de Macapá mudou completamente o habitat do Pau Furado. O prédio que o abrigava encontrava se praticamente desativado e não servia mais refeições.Os alimentos necessários à subsistência de seu Manuel continuavam a ser dados por pessoas caridosas, entre elas a Alice Gorda que na época gerenciava um hotel. Foi a Alice Gorda, nossa eterna Rainha Moma, quem providenciou o sepultamento daquele homem que tanto sofreu até desencarnar do verbo.    

segunda-feira, 20 de junho de 2011

"O PARAENSE", 1º JORNAL A SER IMPRESSO NO PARÁ E NA AMAZÔNIA




              Por Nilson Montoril

                                                                                                        
Praça Felipe Patroni, ex-largo de São João, em Belém.
                       A partir de janeiro de 1821, começou a circular em Belém o jornal “Gazeta do Pará”, editado e impresso em Lisboa. A linha editorial era totalmente favorável aos governantes. Em 28 de maio de 1821, a cidade de Belém passava a contar com o funcionamento de uma oficina gráfica em condições de imprimir documentos. A comunicação foi levada ao conhecimento do governo da então Província do Pará por seu proprietário, senhor João Francisco Madureira, que chegou a mostrar aos integrantes da Junta Governativa uma página impressa para comprovar a qualidade do trabalho que se propunha a realizar. Entretanto, o primeiro jornal impresso na capital paraense não saiu dessa oficina, mas de outra gráfica cujo maquinário fora trazido de Lisboa pelos sócios, Felipe Patroni, Daniel Garção de Melo e alferes Domingos Simões da Cunha. O objetivo dos três empreendedores era instalar os equipamentos no largo de São João e prestar serviços gráficos ao governo, ao comércio e montar um jornal onde seriam difundidas idéias nativistas. Em 1821, Felipe Patroni foi enviado a Lisboa como representante da Província do Pará. Recebeu a incumbência de apresentar à Regência protestos de obediência do Pará à Constituição portuguesa recentemente adotada e comunicar que a Província do Pará estava sendo governada por uma Junta Governativa aclamada no dia 1º de janeiro do citado ano Ele havia tido vital participação no movimento que gerou tal mudança haja vista que desenvolveu intensa campanha insuflando o povo e os políticos locais a destituírem a Junta empossada no dia 1º de junho de 1920. Por ter praticado seguidos atos desonestos essa junta caiu no descrédito popular. Patroni foi recebido com as honras de praxe, tanto pela Regência como no Parlamento. Em audiência que lhe foi concedida por D. João VI, no dia 22 de novembro de 1821, Felipe Patroni fez uso de uma franqueza contundente ao relatar os problemas que os governantes portugueses causavam ao povo do Pará. As autoridades portuguesas obrigaram-no a interromper seu discurso e determinaram que ele se retirasse imediatamente do paço real. O Felipe Patroni relatou apenas a verdade, doida de ser ouvida. Se tivesse sido bajulador certamente receberia honras e favores. Para Felipe Patroni ficou evidente que a política portuguesa de além mar continuaria a não atender plenamente aos anseios dos brasileiros. De regresso a Belém, Patroni mandou distribuir panfletos de cunho abolicionista, nativista e republicano. Contou na tarefa de espalhar os panfletos com a participação dos irmãos João, Manoel e Julião Fernandes Vasconcelos trazidos por ele ao Brasil. Porém, a identificação dos distribuidores dos panfletos logo foi descoberta, redundando em suas prisões. Patroni, Manoel, João e Julião foram transferidos para o Forte de São Julião, em Lisboa e ali permaneceram encarcerados até serem anistiados no dia 18 de maio de 1822. Nesse momento, o Príncipe Regente D. Pedro já havia decidido permanecer no Brasil e uma intensa campanha pró independência crescia a passos largos. Enquanto aguardava o momento oportuno para voltar ao Pará, Felipe Patroni conheceu José Batista da Silva, popularmente conhecido em Belém como Camecran que se mostrou interessado em comungar com as idéias do abnegado nativista.

                        Em dezembro de 1821, houve eleição em Belém para a formação da Assembléia Legislativa, mas o nome de Felipe Patroni sequer foi lembrado como aspirante a uma das cadeiras disponíveis. Esse fato o deixou profundamente magoado e mais fortalecido quanto à idéia de montar um jornal. Com esse propósito, Felipe Alberto Patroni, Domingos Simões da Cunha, José Batista Camecran e o tipógrafo Daniel Garção de Melo, partidários da mesma intenção, trouxeram de Lisboa uma tipografia sob a denominação de “Imprensa Liberal de Daniel Garção de Melo & Companhia”. O material gráfico era usado e tinha pertencido à Imprensa Nacional de Lisboa.Também colaboraram com o empreendimento Luiz da Gama Laziér e João Antônio  Álvares. Garção de Melo assumiu a função de compositor-tipógrafo, impressor, diretor técnico e gerente da sociedade. Felipe Patroni ficou como redator. A data tida como oficial do lançamento do jornal é 1º de abril de 1822, embora haja quem afirme ter a circulação ocorrida em 22 de maio do citado ano. A gráfica foi instalada na rua que hoje identificada como Tomázia Perdigão, ao lado do Palácio do Governo. 

Rua Tomázia Perdigão,onde funcionou "O Paraense"
O nome do semanário não poderia ser mais expressivo: “O Paraense”. Desde a primeira edição “O Paraense” circulou contendo críticas incisivas aos erros e mazelas cometidos pelos governantes e incitando o povo a exigir respeito e liberdade. Compunham os principais cargos do governo indivíduos de nacionalidade portuguesa que pretendiam manter o Pará atrelado a Portugal caso D.Pedro de Alcântara proclamasse a independência do Brasil. Desde 1621, quando foi criado, o Estado do Maranhão e do Grão Pará era independente do Estado do Brasil e se relacionava diretamente com Lisboa. A autonomia ficou mais evidente a partir de 1751, com a posse de Francisco Xavier de Mendonça Furtado como governador do Estado do Pará e Maranhão. A sede do estado, antes instalada em São Luiz, passou a ser Belém. Com a vinda da Corte para o Brasil, em 1808,os portugueses dominaram com mais abrangência a gestão pública na Província do Pará e as atividades mais rentáveis economicamente. O surgimento do jornal “O Paraense” incomodou em demasia os lusitanos, haja vista que o sentimento nativista paraense ganhou maior ímpeto. Para evitar que o jornal continuasse a circular, o Comandante das Armas, brigadeiro José Maria Moura, intimou o alferes Domingos Simões da Cunha a recrudescer as críticas e a retirar da sociedade jornalística seu capital investido, fazendo-o não em forma de dinheiro e sim em tipos e outros materiais que impedissem o periódico de ser editado semanalmente. Também foi concedida ao aludido militar uma promoção. Ainda a mando do brigadeiro, Simões conseguiu convencer o tipógrafo Daniel Garção a agir da mesma forma. Tudo indicava que “O Paraense” deixasse de existir. Entretanto, para surpresa geral dos governantes, as edições semanais do jornal saíram normalmente graças à colaboração do professor primário Antônio Ferreira Dias Portugal que era tipógrafo. O brigadeiro Moura mandou alguns soldados atacarem e destruírem a gráfica, o que não aconteceu porque, avisado pelo Major José de Brito Inglês, Felipe Patroni e José Batista Camecran transferiram a gráfica para outro local. Para se vingar de Patroni, o brigadeiro Moura convence o Corregedor de Justiça de Belém a expedir ordem de prisão contra os proprietários do jornal, sob alegação de que eles não divulgaram o aniversário de D. João VI, Rei de Portugal. Patroni foi preso na gráfica e enjaulado no Forte do Castelo. Ficou à frente do jornal até a 6ª edição. O tipógrafo Antônio Portugal refugiou-se nas matas periféricas a Belém e Camecran se escondeu na casa de amigos. Dessa vez o fim do jornal “O Paraense” parecia um caso consumado. No entanto, o Cônego Batista Campos promoveu o retorno do jornal às ruas. Cautelosamente preparou uma edição que continha o manifesto do Príncipe Pedro de Alcântara, Regente do Reino do Brasil, concitando a união dos brasileiros para a independência do então Reino Unido de Portugal e Algarves. Os portugueses sediados em Belém, partidários da medida que faria o Brasil voltar a ser uma simples colônia lusitana voltaram-se contra o religioso. Como já havia sido brutalmente agredido em outra ocasião, Batista Campos foi se refugiar em Barcarena. Na ausência de Batista Campos o jornal ficou sob a responsabilidade do cônego Silvestre Antunes Pereira da Serra. Em fevereiro de 1823, soldados do governo invadiram a sede do jornal e recolheram o equipamento gráfico. “O Paraense”circulou até a 70ª edição. A contar do dia 1º de abril o governo o utilizou para imprimir o jornal “Luso Paraense”. Quando a Independência do Brasil foi declarada por D. Pedro de Alcântara, os portugueses do governo paraense não a acataram. A adesão só aconteceu oficialmente no dia 15 de agosto de 1823, por força das armas.

                        Felipe Patroni só ganhou a liberdade após a declaração da Independência do Brasil. Julgou que o momento era favorável para concluir o curso de direito que iniciara em 1816, na Universidade de Coimbra. Diplomado bacharel em Direito, Felipe Patroni deixou Lisboa e foi estabelecer escritório de advogacia no Rio de Janeiro. Conhecia como poucos o direito civil e econômico. Além do português, falava o francês, inglês, espanhol, grego, latim, sânscrito e vários dialetos indígenas. As decepções sofridas em Belém tinham sido tão fortes que Patroni não a escolheu para residir imediatamente. Reconhecendo o valor cívico e patriótico de Patroni, D. Pedro I o nomeou Juiz de Fora, com exercício na Comarca de Praia Grande (Niterói). Patroni então voltou a Belém para casar com a prima Maria Ana de Souza Azevedo, sua noiva há 7 anos. Em 1830, atuando em Niterói, Felipe Patroni apresentou os primeiros sintomas de perturbação mental. Em 1842 chegou a ser eleito deputado pelo Pará ao Parlamento Nacional. Porém, após seis dias de atividades o parlamento foi fechado. Ainda em 1842 retornou a Belém, fixando residência no largo de São João, cuja área nos dias atuais corresponde à Praça Felipe Patroni, na Cidade Velha. A mudança não lhe fez bem, haja vista que seus grandes amigos, entre eles o Cônego Batista Campos tinham morrido ou se ausentaram da cidade. Sentindo-se um estranho em sua própria terra, Felipe Patroni vendeu todos os seus bens e foi morar em Lisboa. Ali passou os últimos 18 anos da sua atribulada existência, na companhia da esposa e da sogra, que ficara viúva no dia do casamento de Ana com o destemido paraense. Felipe Patroni nasceu em Acará no ano de 1798 e recebeu na pia batismal o nome de Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente.(Referências contidas no Livro Vultos Ilustres do Pará, de autoria de Ricardo Borges).                

quarta-feira, 15 de junho de 2011

WASHINGTON ELIAS DOS SANTOS, HERÓI DE GUERRA


                     

            Por Nilson Montoril

Washington Elias dos Santos destacou-se como narrandor da Cavalhada de São Tiago

            No dia 19 de janeiro de 1920, na Vila de Mazagão Velho, despontou para a vida Washington Elias dos Santos, filho do comerciante Inácio Elias dos Santos e da Professora Antônia Silva dos Santos. Seu torrão natal havia perdido a prerrogativa de ser a sede do histórico Município de Mazagão devido ao estágio de decadência pelo qual passava. Desde o dia 15 de novembro de1915, a cidade de Mazaganópolis, a atual Mazagão Novo, tinha como Prefeito o Coronel da Guarda Nacional Alfredo Valente Pinto. O casal Inácio e Antônia jamais poderia imaginar que aquela criança sossegada um dia envergaria o uniforme do Exército do Brasil e fosse combater os nazistas e os fascistas em solo italiano. Para obter melhores lucros com o comércio, Inácio Elias dos Santos instalou um empreendimento comercial na foz do Rio Furo Seco, tributário do Amazonas pela margem direita, na Ilha do Pará. Era vizinho de um amigo de velhas datas, o mazaganense Francisco Torquato de Araújo, dono da Casa Reduto do Furo Seco. Por volta do ano de 1941, então com 21 anos de idade, o jovem mazaganense Washington Elias dos Santos embarcou para Belém a fim de prestar serviço militar. Tinha feito sua inscrição na Comissão de Alistamento Militar instalada na Prefeitura Municipal de Mazagão. Nesta época, a jurisdição administrativa e judiciária do Estado do Pará se estendia por toda a área do atual Estado do Amapá. O soldado Washington ainda estava na caserna quando teve inicio o recrutamento dos pracinhas que iriam fazer parte da Força Expedicionária Brasileira, criada e estruturada pela Portaria Ministerial nº. 4.774 de 9 de agosto de 1943. À conta de um acordo firmado com os Estados Unidos, o Brasil deveria recrutar cem mil combatentes para participarem da II Guerra Mundial e combaterem os alemães em solo italiano. Entretanto, em decorrência da rígida inspeção de saúde levada a efeito, apenas 25.334 indivíduos foram declarados aptos. Dia 15 de maio ocorreu a instalação do Estado Maior Especial da FEB.  No dia 30 de junho, o General Mascarenhas de Morais, alguns oficiais e o 2º Pelotão da FEB composto por 5.075 embarcaram no navio norte-americano General Mann, que zarpou do Rio de Janeiro com destino a Nápoles, na madrugada do dia 1º de julho. Os demais escalões seguiram nos navios General Mann e General Meighs, ambos da Marinha dos Estados Unidos da América. Convocado para a importante campanha bélica, o soldado Washington integrou o contingente amazônico da 8ª Região Militar. O transporte desse contingente foi realizado pelo navio General Meighs em dezembro de 1944. 

Navio General Meighs da Marinha dos Estados Unidos da América do Norte

O relato que o ex-pracinha Washington me contou a respeito da participação do Brasil no conflito é fiel ao que se tem registrado nos anais do Exército Nacional. Uma viagem de navio entre o Rio de Janeiro e Nápoles durava cerca de 15 dias. O desconforto era enorme porque o calor no interior das cabines destinadas aos combatentes chegava aos 40 graus. A comida era feita por cozinheiros americanos e o balanço do navio provocava vômito nos nossos pracinhas. Seu Washington me contou que o desembarque em Nápoles já deixou muita gente apavorada, Em redor do porto havia inúmeras embarcações destruídas pelos ataques da aviação aliada. Após o desembarque, o regimento Amazônico foi transportado de trem para Tarquinia e daí para os acampamentos em Staffoli e Lucca. Fazia muito frio na Itália e a roupa usada pelos soldados não era suficiente para aquecê-los. No Brasil, antes da viagem, os pracinhas receberam o uniforme normal, uma túnica e um culote. Em solo italiano, depois que passaram a integrar o V Exército Americano, nossos soldados ganharam novo enxoval, incluindo roupas de baixo, japona, jaqueta, camiseta e cueca. Passaram por novos exames médicos, odontológicos e desinfecção. Cada barraca de lona abrigava dois soldados. Enquanto durou o inverno, os soldados dormiam com os cantis embaixo dos travesseiros para evitar que a água congelasse. A comida era enlatada (ração), distribuída a cada 12 horas. Pela manhã era servido mingau. Como os americanos distribuíam generosas porções de chiclete, chocolate e cigarro, muitos pracinhas que não fumavam negociavam o cigarro com os civis italianos. Também faziam escambo com as latas de ração ou distribuíam-nas entre as crianças, mulheres e homens idosos. Muitos soldados que não foram para a linha de fogo chegaram a conviver maritalmente com mulheres italianas. Os soldados eram distribuídos em grupos de 25 elementos nas instruções de tiro. A pontuação aceitável para um bom atirador ia até seis. Apenas os mais aptos, que obtinham esse índice seguiam para frente de luta. Era difícil um pracinha ver um inimigo e ser visto por ele.
Soldados brasileiros entricheirados durante a campanha da tomada do Monte Castelo
As mortes decorreram mais dos bombardeios e das minas do que de tiro livre. Muitos padioleiros, enfermeiros, sapadores de trincheiras e condutores de veículos, que não usavam armas, morreram ao serem atingidos por estilhaços de granadas e bombas. O soldado Washington sempre respeitou o código de ética ao qual estão sujeitos os participantes de conflitos armados. Nunca contou bravatas. Todas as suas narrativas condizem com a verdade dos fatos. Instruído nas primeiras letras por sua mãe, a Professora Antônia Silva dos Santos, Vavá, como Washington era tratado por familiares e amigos, amealhou importantes conhecimentos ao longo de sua longa vida.
O sorridente soldado brasileiro recarrega a peça de artilharia que operava. Observe que na bonba esta escrito: "A Cobra Vai Fumar", expressão que era o lema da Força Expedicionária Brasileira. E de fato a cobra fumou.

                        Washington retornou ao Brasil em outubro de 1945. No inicio de novembro embarcou para Belém a bordo do navio Itaipé, um dos itas do Loyde Brasileiro. Aguardou sua dispensa do Exército para poder retornar ao lar, já desfalcado de seu pai Inácio Elias dos Santos. Veio para Macapá dia 2 de dezembro, a bordo de um avião dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, desembarcando no aeroporto da Panair do Brasil. Foi recepcionado pelo Capitão Janary Gentil Nunes, Governador do Território Federal do Amapá, pelo Prefeito de Mazagão, Francisco Torquato de Araújo, autoridades e integrantes da Guarda Territorial. Nesse dia se realizava em todo o país as eleições para Presidente da República. O Capitão-Governador encarregou o Prefeito Francisco Torquato, a quem Washington tratava por “Tio Chico”, para conduzir o bravo pracinha até Mazagão Velho e entregá-lo a sua genitora. A entrega aconteceu dia 5 de dezembro, em clima de profunda emoção. Como, por determinação do Presidente da República, Getúlio Vargas, os ex-combatentes deveriam ter preferência para ocupar cargos ou empregos públicos, Washington Elias dos Santos foi trabalhar na Divisão de Segurança e Guarda, onde permaneceu até aposentar-se. Vavá casou com Maria Caçula Aires da Silva em 1949. Dessa união que durou 61 anos nasceram Maria José, Rachide Elias, Antônio Elias e Elias Inácio. Os filhos geraram os netos de Vavá e Caçula, alguns dos quais, dia 27 de abril, carregaram o esquive do avô a sua última morada, no Cemitério São José. Washington Elias dos Santos faleceu em Macapá dia 26 de abril de 2010, às 07h30minh, no Hospital São Camilo e São Luiz. Muito apegado às tradições de sua terra, Vavá narrava anualmente a cavalhada de São Tiago e participava dos eventos religiosos de Mazagão Velho. Diz o refrão da Canção do Expedicionário: “Por mais terra, que eu percorra/não permita Deus que eu morra/sem que volte para lá/sem que leve por divisa/esse v que simboliza a vitória que virá/nossa batalha final/ é a mira do meu fuzil/ a ração do meu bornal/ a água do meu cantil/ as asas do meu ideal/ a glória do meu Brasil”. Ele felizmente voltou.

sábado, 11 de junho de 2011

CELESTINE, EVADIDO DAS PRISÕES DE CAYENNE


                      
            Por Nilson Montoril
                                                                                           
O frances Celestine, com suas tatuagens feitas quando esteve preso na Guiana Francesa.

            Celestine, um cidadão francês traído pela mulher e pelo destino, viveu vários anos livre nas terras banhadas pelo Rio Oiapoque ao lado de uma nativa que tomou por esposa e que lhe deu alguns filhos. Nasceu em 1914, na cidade de Lille, no norte da França, fronteira com a Bélgica e com o Canal da Mancha. Por ocasião da II Guerra Mundial, a despeito de ser casado, Celestine foi um dos primeiros voluntários a se apresentar aos comandantes das tropas francesas envolvidas no conflito. Esteve em vários frentes de batalhas, porém, nunca deixou de mandar o necessário para o sustento da família que, obrigada pela guerra foi residir em Paris, hospedando-se na casa de parentes. Seu sonho era ver a guerra acabar e poder retornar para casa. Ao final do confronto, Celestine estava entre os soldados franceses que marcharam sob o Arco do Triunfo, em Paris, comemorando a vitória dos aliados contra os países do Eixo.  comemorando a vitanceses que p franceses que parcharam sob o Arco do Triunfo, em Pariseiro necesse uma nativa que tomou por es Após a desmobilização das tropas foi procurar sua família, mas não a encontrou junto a seus parentes. Os familiares demonstravam muito nervosismo porque Celestine era homem de temperamento forte e poderia cometer uma loucura se ficasse sabendo de algo comprometedor a respeito do comportamento da esposa. Disseram-lhe apenas que ela só aparecia para receber o dinheiro que ele mandava. Celestine saiu a sua procura, localizando-a numa casa de cômodos nos arrabaldes de Noisy lê Séc, longe do centro de Paris. Ao entrar no quarto encontrou-a nos braços de um homem. Dominado pelo ódio, Celestine investiu contra os dois, matando-os a golpes de punhal. Poderia ter fugido para a Bélgica, mas preferiu apresentar-se as autoridades policiais. Tinha esperanças de que devido às circunstancias do ocorrido, o caso fosse melhor compreendido e a pena mais suave. Ledo engano. Celestine foi condenado “au bagne” (galés perpétuas). Inicialmente ficou recluso em Paris, na prisão de La Santé (a saúde), sendo transferido posteriormente para Maison Carrée (Casa quadrada), na Argélia, donde foi embarcado num “convoi” (comboio) para a Guiana Francesa. Entre os transportados Celestine encontrou Pierre le Grand, um sujeito de estatura avantajada que impunha respeito aos demais, do qual se tornou amigo. Ao desembarcarem em Cayanne, Celestine e Pierre permaneceram no mesmo grupo que passou a cumprir pena na “Route Zéro”, uma estrada sem destino específico que estava sendo aberta na região de Saint Luarent du Marroni (São Lourenço de Marroni). A estrada servia para manter ocupados os condenados e não havia pressa em concluí-la. Não foram poucas as vezes que Celestine e outros prisioneiros tiveram de enfrentar jornadas exaustivas no terrível campo de Kourou le Roche (coser a rocha). Aí os presos cortavam enormes troncos de árvores sem nenhuma utilidade. Recebiam minguada ração e dormiam acorrentados. Em Kourou, Celestine, Pierre le Grand e mais quatro companheiros planejaram a primeira tentativa de fuga. A maneira como ela aconteceu foi narrada pelo próprio Celestine ao Tenente Alfredo Gama, oficial do Exército Brasileiro que desde 1940 ia com regularidade ao Oiapoque e o entrevistou. “Todos tínhamos economias guardadas com segurança, cada um no seu Plan (tubo de dez centímetros de comprimento, mais ou menos, feito de alumínio, prata, ouro, segundo as posses, em que os forçados guardavam seus valores, dinheiro, etc., introduzidos no anus e  alojados no intestino grosso. Os seis compraram uma canoa de uns nativos e empreenderam a fuga numa noite escura seguindo o curso do rio Marroni no sentido do Oceano Atlântico. Seguiram navegando sempre com terra à vista rumo ao norte. Entre os fugitivos estava o Michel, que tinha sido marinheiro e aconselhou aos demais que seria melhor rumar para terra e seguir a pé pela praia no rumo da Venezuela. A canoa era frágil e as águas do oceano estavam encrespadas demais e infestadas de tubarões. Mal a canoa se aproximou da terra uma onda lançou-a contra as pedras, destruindo-a. A jornada a pé favoreceu  a alimentação do grupo, haja vista que havia muitos mariscos e pequenos peixes entre os recifes . Somente no quarto dia de caminhada encontraram uma aldeia de pescadores e souberam que estavam na Guiana Holandesa, atual Suriname.

Ruinas da terrível prisão de São José, na Guiana Francesa. Celestine ficou preso em uma das celas que a integravam.

            Os seis fugitivos passaram dois dias entre os nativos, recebendo muita atenção e respeito. Utilizando outra canoa, que não estava preparada para enfrentar a força do mar, aventuraram-se sobre ele tendo a Venezuela como ponto de chegada. Eles sabiam que naquele país estariam livres dos tormentos das prisões francesas. Pouco navegaram, porque a canoa fazia muita água. Entraram no rio Suriname, a fim de calafetá-la ou adquirir outra bem sólida. Á noite chegaram a Paramaribo e sorrateiramente se dirigiram a uma casa que lhes parecia ser uma hospedaria. O creôlo que os recepcionou informou-lhes que seria humanamente impossível chegarem à Venezuela e sugeriu que ficassem por mais tempo na cidade para negociarem uma boa canoa. O creôlo não perdeu tempo em denunciá-los à polícia. Presos, foram recambiados para a Guyana Francesa e metidos na prisão da ilha de Saint Joseph (São José), onde cumpriram seis meses de reclusão “au cachot” (cubículo subterrâneo para insubordinados), a pão e água. Cumprida a penalidade, seis criaturas esqueléticas foram retiradas dos cubículos e recambiadas para Saint-Laurant du Maroni e entregues aos tormentos de construir a “Route Zéro”. Do grupo de seis fugitivos apenas Celestine e Pierre, le Grand conseguiram sobreviver aos trabalhos forçados. Pouco tempo depois os dois amigos foram separados. Embrutecido pelo sofrimento, Celestine isolou-se dos demais presos, cumprindo resignadamente sua desdita. Isso fez os gendarmes e diretores das prisões o considerassem um preso disciplinado. Acabou sendo transferido para Cayenne após dez anos de peregrinações por diversos lugares medonhos. Seu novo destino foi a Usina Elétrica de Cayenne, onde reencontro o velho amigo Pierre. Novamente os dois passaram a planejar nova fuga, desta feita para o Brasil. Trabalhavam na Usina: Celestine, Pierre, Louis le Corsé (Luis, o consistente) e le vieux Gilôt (o velho Gilôt). Este disse que ajudaria seus companheiros, mas a idade não permitiria que ele se aventurasse às jornadas estafantes. Tidos como comportados, os presos cumpriam com exatidão suas jornadas. Um dia souberam que um veleiro deixaria Cayenne com destino a Saint George (São Jorge) transportando víveres para os mineiros e exploradores franceses que andavam a procura de ouro no rio Oiapoque. Logo ficaram cientes de todos os detalhes sobre o veleiro: tamanho, tripulação, dia e hora exata da saída e a rota a ser seguida. Souberam também que o comandante era um aventureiro capaz de qualquer patifaria por argent (dinheiro). Isso, Celestine, Pierre e Louis tinham bastante em seus Pans. Na tripulação do veleiro havia seis “liberés” (forçados com relativa liberdade, obrigados a permanecer na Guyana para cumprir integralmente a pena recebida). Enquanto o comandante almoçava os três forçados embarcaram no veleiro com a ajuda dos “liberés”. Em alto mar a tripulação foi rendida e o comandante obrigado a seguir as orientações de Louis. Depois de dois dias de viagem os fugitivos pediram para desembarcar num ponto deserto do litoral brasileiro, onde construíram um carbé (choupana). 

Paisagem do Rio Oipoque logo após a sua foz. É um trecho praticamente intocável nos dias atuais. Vencendo a grande distância Celestine conseguiu avançar para regiões além da atual cidade de Oiapoque.

Todos estavam bem armados e possuíam boa quantidade de alimentos comprados no veleiro. Livre, Louis le Corsé quis impor autoridade absoluta, com o que Pierre não concordou. Os dois não tardaram a entrar em litígio. Armado de um fuzil, Louis desferiu um tiro no peito de Pierre que, mesmo ferido de morte ainda teve forças suficientes para usar um sabre tomado de um gendarme e trucidar o antagonista. Celestine, acometido de malária a tudo presenciou. Decorridos dois dias, um pouco melhor da febre, Celestine deu sepultura a seus companheiros de fuga com todos os seus pertences. Não teve coragem de extrair os Plan dos anus dos comparsas mortos. Celestine queimou o carbé e embrenhou-se na mata seguindo o curso do rio Oiapoque no sentido da nascente. Tinha consciência de que estava perto de obter a felicidade almejada. Foi estabelecer-se numa ilhota pertencente ao Brasil, próximo à boca do rio Maropi, no alto rio Oiapoque. Casou com uma índia brasileira, de cuja união nasceram cinco caboclinhos dos olhos azuis. Celestine nunca foi importunado até morrer. Militares brasileiros que conheceram os filhos Celestine afirmavam que as crianças tinham pele clara, cabelos louros e olhos azuis. Por causa deles, dizia-se que no alto rio Oiapoque existia uma tribo com essas características, cujos membros procuravam manter-se isolados dos civilizados.   

quinta-feira, 9 de junho de 2011

PAISAGEM DE MACAPÁ DA DÉCADA DE 1930



                 Por Nilson Montoril

                      

Essa estreira via pública, atualmente denominada Mário Cruz, testemunhou as decisões políticas e administrativas da pequena cidade de Macapá. No prédio branco  funcionaram a Intendência, o Conselho de Intendência, a Câmara de Vereadores e o Tribunal do Juri. Os bailes de gala também aconteciam no Salão Nobre da Comuna Macapaense.
                                                                             
                        Essa é uma das mais expressivas paisagens da cidade de Macapá da época em que ela ainda era a sede do município paraense de idêntica denominação. A rua em questão tinha como patrono o tenente e político Antônio de Siqueira Campos, paulista de Rio Claro que se notabilizou na Revolta do Forte de Copacabana em 1922, Levante de São Borja em 1924, Coluna Prestes entre 1924 e 1927 e na Conjuração da Revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao cargo de presidente da República do Brasil. A Rua Siqueira Campos começava na Travessa Visconde de Souza Franco e se estendia até a Rua São José. A fotografia foi tirada do meio da avenida, no trecho que hoje corresponde a seu cruzamento com a Rua Vereador Benedito Uchoa. Pelo lado esquerdo de quem observa a imagem merece destaque o prédio da Intendência Municipal, onde atualmente funciona o Museu Histórico Joaquim Caetano da Silva. O imóvel foi construído na gestão do Intendente Municipal Coriolano Finéas Jucá e inaugurado no dia 15 de novembro de 1895. Antes dele vê-se uma casa residencial que pertenceu ao casal Antônio Topson e Emidia Picanço. Nela, já na fase de Macapá como capital do Território Federal do Amapá, funcionaram duas loja: “A Barateira”, de Hamilton Henrique da Silva e a “Casa Olímpia”, de Raimundo Pessoa Borges, o popular Marituba. Pelo lado direito a referência fica por conta da famosa “casa amarela”, cujo primeiro proprietário foi o Tenente-Coronel Coriolano Finéas Jucá. Nela nasceram quase todos os vinte filhos do famoso intendente, frutos de sua união com três esposas. Após sua morte, o prédio ficou sob gestão do filho Jacy Barata Jucá que o vendeu ao senhor José Pereira Montoril, mais conhecido como Cazuzinha. A casa amarela, que originalmente foi pintada de branco, fazia fundos com a residência do maroquino Leão Zagury. Nenhuma das residências possuía quintal. Na casa amarela havia um pórtico de entrada com um sótão, um amplo pátio central, inúmeros quartos, cozinha, dispensa e poço amazônico. Os cômodos que faziam frente para a antiga Rua Independência, também chamada Rua de Cima, abrigaram a sede do Amapá Clube e o Bar Elite do senhor João Vieira de Assis. Logo na entrada do prédio funcionou o “Café Aymoré”, pertencente aos comerciantes Francisco Torquato de Araújo (meu genitor) e Francisco Aymoré Batista (pai do cidadão que hoje mantén em funcionamento o estabelecimento de igual nome na Avenida Iracema Carvão Nunes). O gerente do Café Aymoré era o Carlos Cordeiro Gomes, o popular “Segura o Balde” que depois enveredou pelo jornalismo e integrou a equipe esportiva da Rádio Difusora de Macapá. 


Cearense de Assaré, José Pereira Montoril montou comércio no Furo Grande que então pertencia ao Município de Macapá. Sua propriedade tinha o nome de Porto Serafim, homenagem ao conterrâneo e amigo José Serafim Gomes Coelho, industrial que foi o terceiro intendente de Macapá.
No tempo que o prédio pertenceu ao meu tio Cazuzinha Montoril, parte das instalações foi alugada à madame Charlote para a instalação de uma pensão. Vários jovens vindos de Belém para trabalhar no Território do Amapá residiram nos quartos da casa amarela e compravam alimentação da madame Charlote. Quando o casal Isnard Brandão e Walkiria Lima se mudou para Macapá, a casa amarela foi o primeiro imóvel que o abrigou. Numa deferência especial do tio Cazuzinha, graças à intermediação de meu pai Francisco Torquato de Araújo, um assoalho foi colocado no sótão. Nesse local o casal Lima e o filho Isnard Brandão Filho moraram por um relativo período de tempo. Com o passar do tempo a Rua Siqueira Campos recebeu duas denominações: Mendonça Furtado e Mário Cruz. Essa última ainda prevalece. A casa amarela foi vendida ao comerciante Moisés Zagury que mandou demoli-la para erguer a oficina mecânica dos carros Ford que ele vendia. Atualmente, naquela área demora parte da loja 246. Observe que o prédio da Intendência Municipal estava sendo pintado de branco. Apenas um sigelo poste de madeira é visto no flagrante. Era um dos que sustentavam uma rudimentar rede elétrica que fornecia energia à casa do Prefeito e ao prédio da comuna. A energia era gerada por uma velha caldeira localizada no inicio da Rua 24 de Outubro, sobejamente conhecida como Rua da Praia.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

EM FUGA, JUAN PERÓN PASSA PELA BASE AÉREA DE AMAPÁ

                  
             Por Nilson Montoril


Cabo Alfredo Oliveira e Juan Domingo Perón em frente a cada do Diretor da Escola de Iniciação Agrícola de Amapá. A menina à frente de Peron é Ionilde, flha do Cabo Alfredo e de Dona Ione Olivera . Esta também aparece na fotografia, no interior da casa.
                                                        
            No dia 4 de novembro de 1955, o cabo do Exército e Professor Alfredo Oliveira viveu uma das maiores emoções de sua vida. Até às 16h30min daquele dia de forte calor, o tempo transcorria sem grandes novidades. Alfredo Oliveira, então diretor da Escola de Iniciação Agrícola de Amapá havia levado os alunos do estabelecimento de ensino a uma fábrica de farinha e explicava-lhes como deveria ocorrer seu funcionamento. Em dado momento chegou ao local o carpinteiro João Lima, dirigindo um trator com pneus, vulgarmente chamado de “jerico”, informando ao Cabo Alfredo que acabara de chegar à Base Aérea um homem alto, forte, que fumava muito e dizia chamar-se Perón. Como o sujeito falava meio enrolado e as pessoas presentes no local onde o visitante de encontrava não entendiam direito o que ele dizia, pediram ao tratorista que fosse chamá-lo para atender o estranho. João Lima também disse que o meio de transporte utilizado pelo “seu Perón” era um avião da Força Aérea Paraguaia. Alfredo Oliveira sabia que Juan Domingo Perón havia sido deposto do cargo de Presidente da Argentina pelos militares e fugira para Assunção, capital do Paraguai, mas nunca pensou vê-lo transitando pela Base Aérea de Amapá. Deixando os alunos sob orientação dos monitores da Escola de Iniciação Agrícola, cabo Alfredo embarcou no “Jerico” e rumou para o aeroporto. Ficou perplexo quando constatou que se tratava mesmo do senhor Juan Domingos de Perón, ex-presidente da Argentina. Cumprimentou o ilustre homem público e indagou como a fuga foi realizada, haja vista que o avião cedido pelo governo do Paraguai era um C-47 com pouca autonomia de vôo e que jamais chegaria à Base Aérea de Amapá sem pousar em território brasileiro para se abastecer de combustível. O General Juan Domingo Perón disse que lhe faria o relato da fuga de modo reservado. Imediatamente, Alfredo Oliveira foi a estação telegráfica da Base Aérea e passou um telegrama ao governador Janary Gentil Nunes transmitindo-lhe a bombástica notícia. Mesmo ciente de que represálias poderiam ser tomadas contra sua atitude, Janary Nunes autorizou que Cabo Alfredo hospedasse o general e lhe desse todo o apoio necessário. Ainda usando o trator, Alfredo Oliveira levou o ex-presidente argentino para sua residência, onde se encontrava o engenheiro agrônomo Jorge Nova da Costa, então chefe da Seção de Fomento Agrícola de Amapá, que colocou à disposição do visitante um Jeep Willyan a fim de que se tornasse viável dar ao fugitivo o melhor atendimento possível. A esposa do Cabo Alfredo, senhora Ione Oliveira arrumou os aposentos destinados a Perón, ao comandante do avião e à aeromoça. Perón confessou que estava enjoado de comer tanta sardinha e desejava alimentar-se com algo melhor. Um jantar bem apetitoso lhe foi servido, ao fim do qual, numa longa conversa que dominou a todos, Perón narrou sua aventura. 

Juan Domingo Perón tomando café em companhia de seu anfitrião, Cabo Alfredo Oliveira

Disse que após o golpe militar que o tirou do governo da Argentina fugiu para a capital do Paraguai. Ali foi bem recebido pelo presidente Alfredo Stroessner que lhe emprestou o aparelho utilizado na fuga, um Douglas C-47, com dois motores à hélice, que pertencia à Força Aérea Paraguaia. O avião deixou a cidade de Assunção ao amanhecer de 2 de novembro de 1955, quarta-feira, dia de finados, direto para São Paulo, aterrizando no aeroporto de Congonhas. Perón pediu exílio às autoridades brasileiras, mas não foi atendido. Só obteve autorização para abastecer a aeronave e seguir em frente. A partir de São Paulo foi colocado em prática o plano de fuga que compreendia uma arriscada jornada no sentido norte do Brasil, Guiana Francesa e Caribe. Uma missão tão complicada para a época exigia um piloto experiente no comando da aeronave. Foi prevendo essa possibilidade que a Força Aérea Paraguaia designou o Major Nivac para comandar o avião. Ele tinha conhecidos na Força Aérea Brasileira, notadamente no aeroporto Santos Dumont. Tinha feito cursos no Campo dos Afonsos e falava bem o português. A aeromoça era na verdade uma funcionária graduada do Gabinete da Presidência da República do Paraguai que falava vários idiomas.

            De São Paulo o Douglas C-47 seguiu para o Rio de Janeiro. Aterrisou por volta das 14 horas no aeroporto Santos Dumont e permaneceu no solo por 20 minutos, tempo estritamente necessário para o abastecimento da aeronave. Ninguém da imprensa e das Forças Armadas do Brasil tomou conhecimento da operação ou todos fizeram vista grossa. Devidamente abastecido de gasolina própria para a aviação, o aparelho decolou com destino a Salvador, aonde chegou ao anoitecer. Perón e seus colaboradores pernoitaram no interior do avião. Ao amanhecer do dia 3 de novembro, quinta-feira, reabastecido, o C-47 ganhou os ares para uma empreitada tão comum para os pilotos brasileiros: voar sobre a região centro oeste, á época quase desabitada e sem campos de pouso. A capacidade do tanque de combustível do avião não permitiu que ele passasse de São Luiz, Estado do Maranhão. A noite já dominava a capital gonçalvina quando o Douglas C 47 pousou no aeroporto do Tirirical. Desde o inicio da viagem os ocupantes do avião só tinham tempo de almoçar e jantar sardinhas enlatadas, que sequer eram esquentadas. Dia 4 de novembro, sexta-feira, antes do sol raiar, o Douglas já estava nas alturas. 

Avião Douglas C-47 T-25 da Força Aérea Paraguaia

A pretensão do Major Nivac era pousar em Caiene, na Guiana Francesa, mas as autoridades locais disseram que precisariam consultar o Governo Francês, em Paris, sobre a conveniência de permitir a presença de Perón no citado Departamento Ultramarino da França. Como a autorização foi negada, Perón tentou obter combustível junto ao destacamento da Aeronáutica sediada na Base Aérea de Amapá. O oficial do destacamento via telégrafo manteve contato com o comando da 1ª Zona Aérea, sediada em Belém, mas o atendimento foi negado. O combustível existente no tanque do Douglas C-47 era insuficiente para um vôo até  Paramaribo. Neste momento pousou na Base Aérea o avião monomotor Bonanza, de propriedade do Governo do Amapá pilotado por Hamilton Henrique da Silva, conduzindo o jornalista Agostinho Nogueira de Souza, cuja missão era entrevistar Juan Domingos Perón para o Jornal Amapá e Rádio Difusora de Macapá. Hamilton Silva disse ao Comandante Novac que um pouco de gasolina comum não causaria problemas aos motores do C-47. Assim, a gasolina do tanque de um caminhão foi retirada e adicionada ao combustível do avião paraguaio. Antes da decolagem o comandante Novac testou bem o funcionamento dos motores. No dia 5 de novembro de 1955, um sábado, o ex-presidente Juan Domingo de Perón deixou o território brasileiro rumando para a Guiana Holandesa, onde o avião foi abastecido. De Paramaribo, Perón buscou e conseguiu exílio em Manágua, capital da Nicarágua. Posteriormente foi para a Espanha. 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

CAMERATA MUSICALE

    Por Nilson Montoril

Camerata Musicale no palco do Teatro das Bacabeiras

            À conta de um importante intercâmbio cultural musical entre o Brasil e a Alemanha, a Freundeskreis der Musikschule Giengem (Escola de Música Giengem), sediada na cidade de Giengem , Província de Baden Wuttenberf, regida pelo maestro Horst Guggenberg e coordenada pelo engenheiro Peter Kraus, apresentou-se em Macapá, nos dias 17 e 18 de maio de 2005.  Acostumada a fazer a rota Nordeste-Sul, a Camerata Musicale acatou as sugestões do maestro cearense Poty  Fontenele e do tenor Mauro Luiz, este último amapaense que então residia na capital alencarina e participava de uma orquestra em Fortaleza, para iniciar a costumeira turnê artística exibindo-se no setentrião brasileiro. A importante orquestra realizava essas excursões anualmente para divulgar seu trabalho e aperfeiçoar os conhecimentos de seus integrantes. A Camerata não cobrou cachê por suas apresentações, mas os patrocinadores tiveram que arcar com as despesas de hospedagem, alimentação e transporte em âmbito local. As passagens aéreas foram pagas pelos próprios músicos. A VARIG, Viação Aérea do Rio-Grandense S.A. prestou memorável apoio aos alemães, concedendo-lhes um trecho grátis em cada três trechos comprados. Depois que a VARIG encerrou suas atividades entre o Brasil e a Alemanha a excursão da Camerata Musicale se tornou impraticável. 


Próximo ao altar, os músicos alemães se apresentaram na Igreja de São José


                            A vinda da Camerata a Macapá só foi possível graças ao empenho do Nilson Montoril de Araújo Júnior, que se desdobrou na tarefa de conseguir patrocinadores no Estado do Amapá. A busca por patrocínio foi penosa. Acostumados a promover apenas eventos regionais, quase sempre apadrinhados por políticos com poder de mando no governo, os órgãos gestores da cultura amapaense custaram a decidir-se pelo apoiamento ao empreendimento. Muito persistente, o jovem Montoril Júnior não esmoreceu e manteve permanente contato com as entidades convidadas para patrocinarem o show de música erudita. Outro detalhe interessante no trabalho que ele realizou precisa ser evidenciado.

Nilson Montoril Júnior e o maestro Horst Guggenberger
Por exigência dos alemães, as apresentações da Camerata Musicale no Teatro das Bacabeiras foram franqueadas ao público e o promotor não obteve sequer um centavo de vantagem financeira. No decorrer das apresentações da Camerata Musicale apresentaram-se em destaque os solistas Berthold Guggenberger (violino) e seu irmão Roman Guggenberger (violoncelo), ambos filhos do maestro Horst Guggenberg. Hospedados no Hotel San Marino, no bairro Jesus de Nazaré, os músicos tiveram como vizinho o bioquímico Rugatto Boettger, radicado em Macapá desde 17 de fevereiro de 1968. Embora o coordenador da Camerata, Piter Kraus fale fluentemente o português, pois trabalhou nas obras da Hidrelétrica de Itaipu, o catarinense Rugatto foi encarregado de falar à platéia do Teatro das Bacabeiras traduzindo as palavras proferidas pelo Maestro Horst Guggenberger. Rugato é natural de Blumenau, Santa Catarina, fala a língua germânica, pois descende de alemães. Seu sobrenome significa “fabricante de barril”. Aliás, o Rugato teve uma atuação valiosa em termos de apoio logístico aos esforços do Nilson Montoril Júnior. 
O tenor amapaense Mauro Luiz Fereira da Silva interpreta a música "Ave Maria" na Igreja de São José

Os músicos alemães também de apresentaram no Tribunal de Justiça e na Igreja de São José. No templo católico fizeram uma homenagem ao Bispo Diocesano D. Pedro José Conti. Em todos os momentos marcou presença o tenor Mauro Luiz que atualmente reside em Macapá e sempre é requisitado para cantar em solenidades especiais. Os patrocinadores foram: a operadora de telefonia celular TIM, o Tribunal de Justiça do Estado do Amapá e o Governo do Estado.

Adna,Ana Melo,Rosa Araújo,Nilson Montoril, Horst Guggenberger,Nilson Montoril Júnior, Peter Kaus,Rugatto Boetteger e a esposa Celina, Berthold Geggenberger, no palco do Teatro das Bacabeiras.

Os músicos alemães ficaram encantados com a recepção do povo amapaense e com as belezas naturais de Macapá. Utilizando o barco “Tribuna”, do TJAP, eles tiveram a oportunidade de singrar as águas barrentas do braço norte do Rio Amazonas e saborear iguarias regionais. A Camerata Musicale permanece desenvolvendo suas atividades em Giengen, mas o Maestro Horst Guggenberger, aposentado, passou a batuta e a regência ao filho Berthold. A vinda da Camerata Musicale a Macapá provou que os amapaenses curtem sim a música erudita. Ao deixar a cidade de Macapá, a Camerata Musicale exibiu-se em Fortaleza, Maceió, Aracajú e São Paulo.