segunda-feira, 4 de julho de 2011

PADRE AMÂNDIO PANTOJA, VÍTIMA DA LUXÚRIA


                    

             Por  Nilson Montoril

Este singelo monumento marca o local onde o Padre Amândio Pantoja foi assassinado, à margem do Rio Paru, em Almeirim. Em 1862, a área onde ocorreu o crime era desabitada e afastada do centro da cidade.(Foto contida no livro "JARI, 70 ANOS DE HISTÓRIA ", escrito por Cristovão Lins)

                        Jovem e cheio de entusiasmo, o Padre Amândio José de Oliveira Pantoja recebeu de seus superiores a incumbência de dirigir a Paróquia de Nossa Senhora da Assunção cuja sede era o então pacato povoado de Almeirim, na Província do Pará.  Desde o ano de 1785, Almeirim havia perdido a prerrogativa de vila, que lhe fora dada pelo Governador do Grão Pará a 22 de janeiro de 1758. A antiga aldeia dos índios Paru possuía uma população integralmente católica e conservava os ensinamentos que seus antepassados tinham recebido dos capuchos da ordem de Santo Antônio. Dessa forma, todos devotavam grande respeito ao Padre Amândio Pantoja, principalmente porque o sacerdote era um servo de Deus humilde, virtuoso e zeloso. Ele não se preocupava apenas em cumprir com as obrigações religiosas inerentes ao cargo de vigário. Sentia-se recompensado quando alguém recorria a seus conhecimentos medicamentosos. Padre Amândio nunca estudou medicina, mas tinha sempre ao alcance das mãos um livro de homeopatia. Tinha conhecimento dos poderes curativos das plantas e procurava obter novos ensinamentos junto às mulheres e homens que tiravam quebranto, afastavam encostos maléficos sabiam onde encontrar ervas milagrosas. Através dos familiares, dos amigos e do bispado do Pará conseguia remédios, seringas, agulhas, estojo para fervê-las e curativos. Depois que perdeu a prerrogativa de vila, Almeirim viu acentuar-se sua decadência econômica e agravar-se o descaso das autoridades do Pará. O povo vivia em situação de penúria. Poucos eram os moradores que usufruíam de um padrão vida menos sacrificoso. Tudo transcorreu assim até 1862, ano em que um brutal assassinato iria marcar profundamente a história religiosa de Almeirim. A vitima foi o Padre Amândio Pantoja, por quem Wanda Machado, esposa do Capitão da Guarda Nacional Vicente Manoel Machado se apaixonou, mas não foi correspondida. Vicente Machado desenvolvia atividades comerciais bem lucrativas. Possuía estabelecimento comercial e escravos que trabalhavam na lavoura, coleta de produtos extrativistas, na caça, na pesca e no pastoreio.

                        Para poder supervisionar seus negócios o Capitão Vicente Machado precisava se ausentar de casa com certa freqüência. Consta que ele se relacionava com outras mulheres, fato que o obrigava a visitá-las periodicamente. A esposa Wanda era mais nova que ele e afogalhada pela luxúria. Teria tentado encontra entre os trabalhadores do esposo alguém que se atrevesse a satisfazê-la sexualmente todas as vezes que o patrão viajasse. Vontade de usufruir daquele belo corpo era o que não faltava aos peões. Porém, cientes de que o Capitão não era homem capaz de engolir tamanha afronta, nenhum topou a parada. Wanda Machado começou a sentir ardentes desejos pelo Padre Amândio, tanto que não perdia as funções religiosas que ele oficiava. Tornou-se sempre presente na igreja só para estar próximo ao vigário. Além de tentar chamar a atenção do sacerdote, Wanda também se insinuava para os viajantes que aportavam em sua casa. Ela levava uma vida sossegada e nenhuma atividade doméstica fazia, nem mesmo na gestão dos negócios da família. Como o Capitão Vicente não gostava que ela andasse sozinha, algumas damas de companhia a seguiam o tempo todo.Assim, Wanda nunca pode ficar a sós com o Padre Amândio. Aproveitando a ausência do marido, Wanda simulou que estava doente e queria receber a benção divina. Mandou uma de suas mucamas transmitir tal desejo ao vigário, que tratou de atendê-lo. Era hábito naquele tempo o padre levar o Santíssimo em romaria até a cada do enfermo e ministrar-lhe a benção pretendida. Dessa forma procedeu o Padre Amândio,sem imaginar que Wanda lhe armava um cilada. A romaria saiu da capela com grande acompanhamento e todos entraram no quarto da doente para dar seqüência às orações. Ao término da reza Wanda disse que desejava se confessar e comungar. A confissão não podia ser tomada na frente de toda aquela gente, razão pela qual Padre Amândio pediu para os fiéis se retirarem. Wanda agia como se estivesse prestes a exalar o último suspiro. Quando sentiu o rosto do sacerdote perto de sua boca o abraçou e tentou beijá-lo. Declarou-se apaixonada e desejosa de ser possuída por ele. Padre Amândio afastou-se de Wanda e censurou-a drasticamente por ter recorrido a uma estratégia que afrontava os princípios mais sagrados do matrimônio e da ordem sacerdotal. Rejeitada pelo vigário, Wanda fez crer a seus empregados que o religioso lhe faltou com o respeito no recôndito de seu quarto. Imediatamente mandou um empregado ir comunicar o ocorrido ao Capitão Vicente Machado, que ao chegar a sua residência ouviu apenas a narrativa da esposa.
A gravura mostra um Padre Jesuita vítima de um naufrágio que alcançou a praia e deparou com os indios caetés. A ilustração serve para evidenciar que o sacerdote clamou por sua vida, tal qual fez o Padre Amândio diante de André Avelino.

                        Sem procurar comprovar a veracidade da versão apresentada por Wanda, Vicente Machado determinou que o escravo André Avelino, homem de instintos perversos matasse o Padre Amândio e desse sumiço no corpo. Em troca do serviço, Avelino receberia uma recompensa de quinhentos mil réis e sua carta de alforria. A primeira tentativa de ceifar a vida do pároco aconteceu na noite do dia 27 de janeiro de 1862. Avelino tentou entrar na casa paroquial sem consegui-lo. Ao entardecer do dia 28, armado com uma espingarda e de um punhal, ambos de propriedade do Capitão Machado, André Avelino partiu para executar o serviço. Todo mundo do povoado sabia que ao entardecer o sacerdote costumava freqüentar um bosque existente atrás da igreja. Ali, aproveitando o silêncio, rezava o terço, lia o Breviário e meditava. André Avelino aproximou-se dele sorrateiramente e o executou com um tiro na nuca e diversas punhaladas. Seguindo as recomendações de seu patrão amarrou uma pedra no pescoço do vigário e o arremessou às águas do rio Paru, certo de que as vorazes piranhas devorariam o cadáver em minutos. À noite caiu sobre Altamira e a população estranhou o desaparecimento do religioso. As buscas foram infrutíferas. Muita gente chegou a pensar que uma onça tivesse atacado o Padre Amândio e arrastado seu corpo pra o centro da mata. Outros não descartaram a possibilidade dos índios terem aprisionado o pároco do povoado. Na manhã do dia 29 as buscas continuaram e as suspeitas recaíram sobre Avelino, que tinha sido visto carregando uma espingarda na tarde do dia 28. A notícia do desaparecimento do padre chegou ao conhecimento do Bispo do Pará, D. Antônio de Macedo Costa. O Brasil vivia a fase do II Império e o catolicismo era a religião oficial. Consequentemente, o bispo era um servidor público de grande poder e prestígio. Usando seu poder, D. Macedo Costa pressionou o Governador da Província do Pará e este determinou que a polícia e a comarca de Gurupá, da qual Altamira era freguesia, solucionassem o mistério. André Avelino foi preso e submetido a rigoroso interrogatório. Acabou confessando sua autoria e declinou o nome do mandante. No dia 8 de março de 1863, o Tribunal do Júri da Comarca de Gurupá condenou o capitão Vicente Machado a 23 anos e 4 meses de prisão e trabalhos forçados, pena que seria cumprida na cadeia pública de Belém. O assassino André Avelino recebeu a pena capital, morte na forca, depois comutada pelo Imperador D. Pedro I a degredo perpétuo em Fernando de Noronha.
À margem do Rio Paru, na cidade de Almeirim existe a Praça José Agostinho Guerra e a Rua Padre Amândio de Oliveira Pantoja. No inicio da citada via  pública André Avelino assassinou o virtuoso sacerdote que não cedeu à luxúria de Wanda Machado. (Foto de Heraldo Amoras/Almeirim)

                     O martírio do Padre Amândio Pantoja ganhou repercussão nacional e foi publicado no jornal “Amazonas”, que circulou em Belém em 1886. O local onde ocorreu a execução do sacerdote passou a ser visitado anualmente por pessoas que o julgavam santo. A Prelazia de Santarém, que tinha jurisdição sobre a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição investigou o martírio através do bispo Dom Armando Balhman entre os anos de 1907 a 1932. A 1º de julho de 1912, Dom Armando esteve em Almeirim e iniciou pesquisas a respeito do crime. De posse do importante documentário o bispo prelado foi a Roma reivindicar a beatificação do Padre Amândio. Porém, ao chegar a Nápoles Dom Armando faleceu e i importante documentário extraviou-se. O tempo se encarregou a fazer essa pretensão cair no esquecimento. Se Dom Armando Balhman não tivesse falecido é provável que o Padre Amândio fosse declarado beato pela Santa Sé. Neste caso, o Pará teria hoje um servo de Deus sendo cultuado como santo. Durante muitos anos a população católica de Almeirim realizava romaria em louvor ao Padre Amândio, a qual fora recomendada pelo bispo de Santarém.  Ainda hoje, o local da tragédia está assinalado por um singelo monumento no centro da cidade, como homenagem da Prefeitura Municipal e do povo de Almeirim. A pérfida Wanda Machado pagou muito caro por seu ato. Desprezada e humilhada por todos, ela deixou Almeirim e foi residir em Porto de Moz, onde a maldição marcou cada passo de sua existência. Ali, segundo Cristóvão Lins, autor do livro “Jarí, 70 Anos de História”, Wanda enfrentou grandes dificuldades e morreu pobre e desamparada. Outra importante fonte de referência sobre este assunto é o livro “Vultos Ilustres do Pará”, de Ricardo Borges.  

                       

Um comentário:

Heraldo Amoras disse...

Fiquei surpreso que por meio de minha fotografia tive a imensa satistaçao de conhecer uma das reais histórias desta magnífica cidade de Almeirim, a do servo de nosso pai: padre Amandio de Oliveira Pantoja e graças ao historiador Dr Nilson Montoril de Araújo; muito bom o trabalho de divulgar ao mundo as fases da história do povo Almeirinense, obrigado.Heraldo Amoras-Belém-Pará