quinta-feira, 14 de julho de 2011

VICENTE VALDOMIRO, O ALFAIATE MAIS ANTIGO DE MACAPÁ


                  Por Nilson Montoril


                      
   Vadoca e sua singela máquina de pedal Singer comprada em 1996. Ele estava costurando uma calça quando bati  sua     foto. Observe ao fundo o velho espelho que pertenceu a sua genitora  e a galeria de  fotografias tiradas com  amigos. Duas flâmulas próximas ao braço esquerdo do Vadoca deixam claro que ele é torcedor do Clube de Regatas Vasco da Gama
              Vicente Valdomiro Ribeiro, o popular Vadoca, ainda mantém em funcionamento sua alfaiataria. Sua iniciação na costura começou na “Alfaiataria São José”, pertencente ao senhor Pedro Ribeiro. Na época, o Vadoca tinha apenas oito anos de idade, mas esbanjava curiosidade e vontade de aprender a profissão que ainda preserva. Nascido e criado na Rua 24 de Outubro, que o povo preferia rotular como Rua da Praia, Vadoca estava sempre perto de sua genitora para ajudá-la nas tarefas de carregar água, rachar lenha, fazer recados e compras. Dificilmente ultrapassava a área da então Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos (Veiga Cabral) devido à rivalidade que os moleques da Matriz e do Formigueiro devotavam aos pirralhos que residiam na frente da cidade. Só ia à Igreja São José acompanhado dos pais ou de parentes. Era ele quem fazia as compras da família na “Casa Abraham Peres”, edificada na esquina do Beco do Sambariri com a Rua Cândido Mendes. Levava a relação dos gêneros de primeira necessidade e uma caderneta onde os itens fornecidos pela casa comercial eram anotados. O comércio do senhor Abraham Peres tinha de tudo, inclusive vistosos tecidos para roupa de homem e mulher. Vadoca veio ao mundo no dia 7 de setembro de 1932, na casa dos pais, Celso de Atayde Ribeiro e Esmerlinda de Carvalho Ribeiro. Sua genitora era natural do Maruanum e residia na casa da Professora Cora Rolla de Carvalho, sua parenta, quando conheceu Celso Ribeiro. Antes de ingressar na “Alfaiataria São José”, o menino Vadoca realizava deveres domésticos e vendia pasteis feitos pela irmã Angelina e jogava futebol com bola de meia e de sernambi. Angelina era casada com Miguel Gantus e morava no inicio da Rua do Abieiro. Só quando estava mais “taludinho” é que passou a jogar com bola de verdade no campo do Cumau Esporte Clube, o time alviverde da Cidade, cujo campo correspondia a uma área entre as Travessas Floriano Peixoto (Presidente Vargas) e Braz de Aguiar (Coriolano Jucá), onde depois foram edificados os prédios dos Correios e da antiga Lojas Pernambucanas. Posteriormente defendeu as cores do Inca, São José. Macapá e Trem. Em 1955, com 23 anos de idade, Vadoca casou com Odinea dos Santos Ribeiro. Continuou jogando futebol por mais quatro anos, deixando de fazê-lo em 1959, porque precisava trabalhar em tempo integral para sustentar condignamente a família. O casal gerou nove bruguelos, seis mulheres e três homens, que somados aos pais atinge o total de 11 pessoas, certinho um time de futebol.
Esta fotografia é uma das mais antigas da Macapá paraense, batida por volta de 1901. Em meados da década de 1920, o prédio que aparece em primeiro plano, feito em taipa de mão, abrigou o Cartório de Registro Civil da Comarca de Macapá e a residência do Tabelião Cesário dos Reis Cavalcante. Na década de 1930, a Alfaiataria São José foi instalada em uma das suas dependências. Foi aí, aos 8 anos de idade,que o Vadoca começou a aprender a costurar. Ele morou no inicio da rua.

              A “Alfaiataria São José”, instalada em Macapá pelo senhor Pedro Ribeiro à Rua 24 de Outubro, na frente de Macapá, foi um marco importante na história da cidade. Pedro Ribeiro era contra-mestre da “Alfaiataria Pinto”, em Belém e tinha decidido tentar a sorte no comércio de borracha. Com a produção da borracha em baixa, ele preferiu retomar sua antiga profissão. Casou com Carmosina Réis Cavalcante, filha do Oficial do Registro Civil da Comarca de Macapá, Cesário dos Reis Cavalcante e da senhora Odete Reis. Carmosina estava viúva do senhor Cícero Lemos e tinha os filhos Altair Cavalcante de Lemos, Altamiro Cavalcante de Lemos e Maria das Graças Cavalcante de Lemos. Dos três, apenas o Altamiro aprendeu a costurar. Com a anuência do senhor Cesário Reis, a alfaiataria ocupou um dos cômodos de sua residência. Trabalhavam na alfaiataria o senhor Pedro Ribeiro, sua esposa Carmosina e o garoto Vadoca. Antes de 1943, ano em que foi criado o Território Federal do Amapá, a cidade de Macapá tinha alfaiates e costureiras de primeira linha. A alfaiataria do senhor Atayde ficava na Travessa Castelo Branco (Rua Tiradentes) no espaço onde hoje funciona o Cartório Jucá.  Na Avenida General Gurjão atuava o Nelson e no Largo do Formigueiro o Lameira. Depois da instalação do Governo do Território do Amapá, a 25 de janeiro de 1944, a migração de jovens para Macapá foi marcante. O governo precisava de mão-de-obra para a construção de prédios públicos e para diversas atividades que estavam sendo implementadas. Entre os que buscavam emprego estava Herundino do Espírito Santo, conceituado alfaiate e bom futebolista. Ela conhecia o Pedro Ribeiro e não perdeu tempo em procurá-lo. Aceito na “Alfaiataria São José”, Herundino colocou em prática sua larga experiência no corte e confecção de roupas masculinas em casimira. A alfaiataria de Pedro Ribeiro também contou com os préstimos de Hermínio Costa, Antônio, Zé Arigó, Maria e Antônia. Com essa equipe, Pedro Ribeiro atendeu a todas as encomendas que a Indústria e Comércio de Minérios S.A lhe fez. A encomenda da ICOMI compreendia o vestuário que os empregados da empresa usavam. Em fevereiro de 1945, foi criada a Guarda Territorial, um órgão da Divisão de Segurança e Guarda. No decorrer da instalação da GT surgiu a moderna alfaiataria da instituição. O Herundino se apresentou como candidato para preencher uma das vagas, foi aprovado e passou a coordenar a equipe de alfaiates da novel instituição. O Antônio também se desligou da equipe de Pedro Ribeiro e seguiu o mesmo caminho traçado por Herundino. O Hermínio Costa, irmão do Hélio Costa, o grande centro-avante do Paysandú, passou a trabalhar na Escola Industrial de Macapá, onde, desde março de 1953, atuava o famoso irmão futebolista. O Formiga e o Passarinho I também fizeram parte da alfaiataria da Guarda Territorial. Todos eles, no período de folga, continuaram realizando atividades particulares em alfaiatarias de amigos. O Herundino montou a “Zaz Traz”, uma alfaiataria estabelecida no Largo da Matriz.

Esta fotografia foi batida do alto do baluarte Nossa Senhora da Conceição, da Fortaleza de Macapá. É do meado da década de 1960, fase do Amapá como território federal. A parte branca onde está assentada a identificação do blog do Lázaro corresponde ao Igarapé do Igapó ou Bacaba. A área coberta de vegetação ficava inundada pela maré no fluxo da enchente.A primeira edificação é o Estaleiro Naval do SERTTA Navegação, onde as embarcações do governo sofriam os reparos necessários. A casa dos pais do Vadoca ficava em frente á 1ª mangueira, na Rua 24 de Outubro ou Rua da Praia.


              Segundo o Vadoca, a equipe de Pedro Ribeiro era muito boa e o trabalho realizado para a ICOMI agradou plenamente. Nesta fase o Vadoca costurava numa máquina Pfaff de fabricação alemã e aprontava quatro calças por dia. Á época, as grandes lojas das capitais brasileiras e cidades mais desenvolvidas não vendiam confecções, só tecidos e armarinhos e isto favorecia os alfaiates. Em Macapá a situação não era diferente. O sujeito comprava a fazenda e a levava ao alfaiate para que ele tirasse suas medidas e fizesse a roupa que desejava. A maioria das lojas comerciais de Macapá vendia secos e molhados. Vadoca trabalhou na “Alfaiataria São José” até 1956, ano em que faleceu Pedro Ribeiro. A alfaiataria já não funcionava na Rua da Paia, mas na Avenida Presidente Vargas ao lado da casa da Dona Carmem (Carmita) Mendes, filha do Coronel da Guarda Nacional Manuel Theodoro Mendes, que comandou a guarnição da Fortaleza de Macapá e foi Intendente Municipal. Vadoca conta que o Pedro Ribeiro tinha um calo no dedo mínimo do pé direito, que o incomodava bastante. Ele costumava cortar a parte dura do calo com uma velha lâmina de barbear, fato que redundou em ferimento que infeccionou. Sem dar a devida atenção ao problema de saúde que a lesão lhe causava, Pedro Ribeiro foi acometido de tétano.
Time de futebol do Esporte Clube Macapá em 1956.Em pé, da esquerda para a direita: Sabá, Moringueira, Aracaty, Aristeu Ramos, Amujacy, Aristeu II, Ismael e Mário Santos(Presidente). Sentados, no mesmo sentido: Oliveira, Pigmeu,Dedeco, Vadoca e Roxinho. O E. C. Macapá era então tri campeão. Ao fundo aparece a fachada do Estádio Glicério de Souza Marques, ainda preservada nos dias atuais.

            Em 1956, o Governador do Amapá era o médico Amílcar da Silva Pereira, freguês do alfaiate. Ao constatar que o estado de saúde de Pedro Ribeiro era grave, o Dr. Amílcar Pereira o mandou para o Hospital dos Servidores Públicos, no Rio de Janeiro. O estágio do tétano estava tão avançado que a perna do alfaiate precisou ser cortada quase no tronco da coxa. De volta a Macapá, usando uma prótese, Pedro Ribeiro apenas cortava pano, mas não tinha como fazer roupa. Faleceu pouco tempo depois da cirurgia, ainda em 1956. Vadoca ficou gerenciando a alfaiataria por alguns dias, entregando-a a senhora Odinea Ribeiro, com quem Pedro Ribeiro havia casado depois de ficar viúvo de Carmosina Cavalcante. Casado há um ano, Vadoca sentiu que era o momento de trabalhar por conta própria e assim procedeu. Seu primeiro auxiliar foi o Chunda, bom costureiro, mas problemático por causa da bebida. Certa vez, com a cuca cheia de cachaça, o Chunda esqueceu o ferro elétrico ligado sobre a mesa de passar roupa e faltou pouco para a alfaiataria do Vadoca virar cinza. O Chunda também trabalhou com o senhor Atayde e anos mais tarde foi residir em Laranjal do Jarí, onde pereceu afogado. Vadoca domina como poucos a arte da costura. Faz paletó, blazer, jaquetão, camisa, bermuda, calça  e outros tipos de roupa. Trabalhou muito tempo com o linho caruá, linho tubarão (difícil de cortar), casimira aurora (que não pode ser lavada), tropical (caro e bonito), tricolina (apropriada para camisa), chita (usada prioritariamente para camisão de dormir), seda (tecido preferido pelos festeiros e malandros para camisa de manga comprida porque a navalha não lhe causa danos), brim, tergal (que não perde o vinco), etc. Aliás, o Vadoca trabalha com qualquer tipo de fazenda.Nas décadas de 1940, 1950 e 1960, as fazendas de linho dominavam a preferência dos homens. Por ocasião da festa de São José o macapaense da gema não deixava de mandar fazer calça e camisa para ir à missa, acompanhar a procissão e freqüentar o arraial. As autoridades territoriais só usavam ternos de linho muito bem engomados por ocasião das solenidades mais expressivas da cidade. Nas lojas que vendiam fazendas em Macapá, todos os apetrechos necessários à costura eram encontrados. O fecho, que hoje é chamado de zíper só era empregado nas roupas das mulheres. Braguilha da calça de homem só levava botões, todos brancos.
A presente fotografia, batida no gramado do Estádio Glicério Marques é de 1957. Em 1948, o Trem Esporte Clube Beneficente estava se estruturando.O Hélio Costa, o famoso "Cabecinha de Ouro"do futebol paraense e atleta do Paysandu, só veio residir em  Macapá a partir  fevereiro de 1953. Dentre os atletas que aparecem na fotografia, apenas o Vadoca,(residindo em Macapá),o Vasconcelos(morando em Brasília) e o Lelé (pastor evangélico em Belém), estão vivos

              Vadoca nunca quis ser funcionário público, preferindo viver da sua profissão. Começou a pagar a previdência em 1952, como autônomo e sempre primou pelo pagamento das contribuições em dia. Beirando os 79 anos de idade, Vadoca faz expediente em dois turnos, de segunda-feira a sábado na sua frequentadissima alfaiataria, na esquina da Rua Jovino Albuquerque Dinoá com a Avenida Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho, bairro central. É um ponto de encontro de novos e velhos fregueses. Ali, Vadoca conta e ouve histórias interessantes sobre todos os assuntos. Em uma das paredes há dezenas de fotografias que comprovam sua condição de jogador de futebol e junto a amigos. Chama a atenção de todos, um espelho cuja moldura faz lembrar o famoso espelho mágico que a madrasta da Branca de Neve usava para saber qual era a mulher mais bela da terra. O espelho que o Vadoca conserva na alfaiataria pertenceu a sua genitora e tem mais de oitenta anos de uso. O alfaiate mais antigo de Macapá ainda confecciona e reforma roupas de acordo com o gosto do freguês. A primeira máquina Singer que ele comprou foi usada de 1956 a 1996. Ainda funcionando bem, foi doada a um amigo. A máquina atual, também da marca Singer, foi adquirida em 1996. Há uma máquina Singer elétrica que ele só utiliza para fazer o arremate de algumas partes da roupa que fabrica. Por recomendação médica, Vadoca deve continuar pedalando sua máquina de costura enquanto o vigor físico das pernas permitir.

Um comentário:

Auree SViana disse...

Nossa!!! Minha filha cursará MODA em 2012 e agora fiquei deslumbrada com aquilo que li, é a História da moda de nossa amada Macapá. Parabéns!
Aurea Batista de Sá Viana.