terça-feira, 31 de maio de 2011

BAR CABOCLO,BAR PACAEMBU E PAJÉ

O mazaganense Emidio de Souza Ferreira (camisa branca), conterrâneo do Sr. Abrão, dono do bar,lê jornal e saboreia uma cerveja Cerpa.Como o número de mesas era reduzido, ele ocupa uma delas na  companhia do amigo Ferreia-Natal de 1970
                         
       Nilson Montoril

                        A Criação do Território Federal do Amapá, cuja área jurisdicional correspondia à Capitania do Cabo do Norte, deu aos moradores da região onde hoje existe o Estado do Amapá, um novo alento. A cidade de Macapá, que até janeiro de 1944, tinha apenas 2.042 habitantes, viu esse contingente se elevar para 2.512, em fins do mesmo ano e alcançar 4.192 almas em janeiro de 1948. Muita gente migrou para Macapá em busca de emprego, principalmente operários necessários às obras públicas. As famílias que possuíam casa com vários quartos passaram a aceitar hóspedes e fornecer alimentação. Proliferaram as pensões, os bares, os botecos e as biroscas. Trabalhadores com ocupações diversas também desembarcaram em Macapá. O crescimento populacional motivou os produtores das ilhas do Pará a trazerem frutas, carne de caça, peixe, açaí e farinha para suprir a carência desses produtos na cidade. Embarcações freteiras saiam de Belém, abarrotadas de mercadorias destinadas ao comércio de Macapá que se expandia. Na área pantanosa onde foram rasgadas as avenidas Joaquim Francisco de Mendonça Júnior e Coaracy Gentil Monteiro Nunes, nas esquinas delas com a Rua São José, despontaram dois bares bem freqüentados pela turma da boemia, mulheres da vida fácil e pelas que não eram declaradamente prostitutas, mas alugavam suas perseguidas. Para melhor compreensão da topografia do espaço acima referido, substitua as vias públicas por rudimentares pontes de madeira que o povo chamava estivas. As mundanas às vezes eram rotuladas como raparigas, predominando, porém o termo puta. As duas palavras ainda hoje são usadas em Portugal, mas não têm sentido pejorativo. O primeiro reduto de mulheres prostitutas de Macapá correspondia às casas de madeira construídas na lateral da ponte que passava ao lado do Bar Caboclo. As inquilinas dessas moradias eram cadastradas na Unidade Mista de Saúde de Macapá, tinham direito a carteira de beneficiárias, eram submetidas a inspeções periódicas e tratadas quando contraiam doenças sexualmente transmissíveis. Assim, os boêmios solteiros da cidade e os casados puladores de cerca, recorriam aos préstimos das “primas” relativamente tranqüilos. As mundanas mais conhecidas eram: Maria Vadoca, Maria Batelão, Balança-os-Cachos, Peia-Onça e Loura. Elas e outras menos atrativas freqüentavam tanto o Bar Caboclo como o Bar Pacaembu. Entretanto, somente o Pacaembu tinha festas dançantes. Nenhum dos dois mantinha quartos destinados a encontros amorosos. Os pederastas, popularmente identificados pelo povo como “falsos à pátria”, não se atreviam sequer a passar na frente dos referidos estabelecimentos comerciais. O Bar Caboclo não era tão espaçoso como o Bar Pacaembu. Comportava uma mesa de bilhar e poucas mesas. As paredes continham pinturas regionais feitas por um jovem talentoso que hoje é artista plástico renomado: Herivelto Maciel. Vendia bebidas diversas, sorvetes e outros produtos. Enveredando por aquele espaço, serpenteando até alcançar o chamado torrão da terra, atrás do Hospital Geral, passava o Igarapé-do-Igapó ou Bacaba, identificado simploriamente como Igarapé da Fortaleza. Dificilmente ocorriam desentendimentos sérios entre freqüentadores dos citados bares. De um modo geral aconteciam arengas, que a turma do deixa disso cuidava de abafar. Nunca ouvi falar que algum valentão ou porre tenha sido jogado dentro d’água. Entre as mundanas, havia uma que não falava daí seu apelido ser “Muda”. Certa noite apareceu na zona do prostíbulo um canoeiro natural da Vigia, que havia passado dois meses no Oceano Atlântico, na costa do Amapá, pescando gurijuba. O caboclo estava atormentado pelo desejo da carne e não perdeu tempo em contratar os serviços da Muda. O cabra gostava de fufurufuncar no escuro e foi logo apagando a lâmpada. Quando a ferramenta do “pelhudo” entrou em funcionamento ouviu-se o grito apavorante da Muda: mamãe! Socorrida por suas companheiras, a Muda esconjurou o canoeiro e prometeu ser mais cautelosa na escolha dos fregueses. Dizem que algum tempo depois o dito caboclo reapareceu na casa das “primas” e arrastou as asas para o lado da Mariazinha, uma nova inquilina. Quando ele fez o convite a Mariazinha lhe disse: “fazer indecência contigo? Nunca, mais antes a dor de um parto”. 

                        No lado esquerdo da ponte que se estendia pelo trecho da atual Avenida Padre Júlio Maria de Lombarde demorava a casa de um cidadão conhecido como Pajé. Sua residência ocupava o espaço onde foi construído o Arara Center. Nos finais de semana a sala da casa do Pajé virava pista de dança e a entrada era paga. O promotor dos embalos valorizava os ritmos merengue, bolero, brega e assegurava que o ambiente era estritamente familiar. Ele dizia que na sua festa dançava o feio, o bonito, o pobre e o rico, não sendo permitida a desfeita. Se alguém se queixasse que tinha sido rejeitado por alguma dama ou cavalheiro, o Pajé mandava o ou a deselegante “pra riba da ponte”, já que não havia rua no local. Uma vez ele pegou o microfone e disse: “As mulhé tão se queixando que tem macho maleducado se fazendo de gostoso na minha festa. Quero dizer que aqui eu não atolero esculhão de dama”.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

MENDONÇA FURTADO,O FUNDADOR DE MACAPÁ


                                                                                                 NILSON MONTORIL
Mendonça Furtado, Governador do Grão Pará

                        A morte do rei D. João V, ocorrida a 31 de julho de 1750, fez subir ao trono português o filho do monarca falecido, D. José I. Influenciado pela esposa, Mariana da Áustria, D. José I, nomeou para o cargo de Secretário de Negócios Estrangeiros e de Guerra, Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal e Primeiro Ministro da Coroa. O período que Sebastião José passou na Inglaterra como Embaixador, fê-lo conhecer em detalhes como funcionava a Companhia das Índias Orientais criada pelos Ingleses. Ao ser nomeado Primeiro Ministro de Portugal, decidiu estabelecer um plano econômico capaz de tornar rendosa a exploração das colônias lusitanas. Tomou para a Coroa a função de controlar todos os ramos mais rendosos do comércio ultramarino, prepara a exploração do Vinho do Porto e a pesca do atum, deixando à concorrência da pequena burguesia os setores do comércio secundário. Concentrou parte de sua atenção no Grão-Pará, tornando Belém o centro da administração do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Escolheu para governá-lo o meio-irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, dotado do mesmo espírito agudo de Pombal, embora não fosse tão inteligente quanto o irmão. Entretanto, levava vantagem no tocante à vontade de caráter. Não era dissimulado, tortuoso ou falso. Mesmo irritado, colocava o problema de frente e por isso era tido como grosseiro, mas capaz de reconhecer o erro cometido e recomendar clemência a quem o irritou.
                        A nomeação de Mendonça Furtado saiu no dia 31 de maio de 1751, ocasião em que recebeu do Ministro dos Negócios Ultramarinos, as instruções para o nucleamento dos índios, fortificação da fronteira, precaução contra a ambição francesa, o estabelecimento de povoações e intervenção na política de ação da Companhia de Jesus. Deveria a todo custo fixar na Amazônia a soberania luso-brasileira. No dia 26 de julho de 1751, Mendonça Furtado apontava em São Luiz para dar posse ao Governador do Maranhão, Luiz de Vasconcelos Lobo, a ele subordinado. De São Luiz passou a Belém, tomou posse no dia 24 de setembro, se defrontando com sérios problemas de ordem econômica e disciplinar. Na época, circulavam em Belém moedas de vinténs, feitas de cobre; moedas de pataca, em prata e de ouro, de cinco e dez cruzados. Eram rotuladas como moedas da província, porque não eram aceitas fora de Belém. As pessoas que embarcavam para Lisboa tinham que entregar suas moedas ao caixa do navio, que lhes repassavam valores equivalentes em moeda cunhada pela Coroa. O poder aquisitivo das moedas da Província tinha sido corroído pela elevação de preço dos produtos alimentícios devido à drástica redução de mão-de-obra, provocada por um surto de sarampo. Em Belém e nos núcleos populacionais mais próximos morreram mais de quinze mil indivíduos, entre índios e escravos. 


O Marques de Pombal, 1º Ministro do rei e irmão de Mendonça Furtado

                        Mendonça Furtado precisou ser ríspido com os Jesuítas. Eles geravam conflitos freqüentes com os colonos na disputa de mão-de-obra indígena. Não queriam que os índios fossem escravizados pelos colonos, mais se valiam deles para produzir bastante e auferir bons lucros. Os Jesuítas eram tidos como habituais sonegadores de impostos na exploração de produtos das aldeias. A arrogância dos inacianos era tão flagrante, que nem o Bispo do Grão-Pará, Dom Bartolomeu do Pilar foi respeitado como líder e superior de todas as ordens religiosas. Até 1748, o impasse ainda perdurava e Dom Miguel de Bulhões, terceiro Bispo do Grão-Pará era hostilizado pelos Jesuítas. Mendonça Furtado, apoiado pelo Marques de Pombal, iria dar fim aos desmandos. Curioso é que o governador não queria bater de frente com a ordem de Santo Inácio de Loiola. Sua religiosidade ficou evidente, quando ele desembarcou em Belém conduzindo nas mãos uma imagem de Nossa Senhora das Missões. Mas, Mendonça Furtado sabia que a intenção do Rei D. José I era tirar dos religiosos o poder temporal nas aldeias, deixando-os apenas com o domínio espiritual. Um alvará neste sentido não tardaria a sair.
                        O alvará deveria emancipar os índios, substituindo-os por escravos africanos. No Maranhão, a substituição já vinha ocorrendo. No Pará, os colonos alegavam que não tinham recursos para comprar escravos. O primeiro povoado instalado por Mendonça Furtado foi o de São José de Macapá, na antiga Província dos Tucujús. Não havia aldeia na área nem religiosos, fato que facilitou suas iniciativa. No espaço de 40 dias aproximadamente, a contar de sua posse no Governo do Grão-Pará, o Capitão-General Mendonça Furtado concebeu o plano de povoamento de Macapá. Inicialmente selecionou 86 açorianos dentre os 432 trazidos para Belém e alguns negros escravos egressos de outras regiões do Brasil. Designou o Ajudante-de-Ordem Manoel Pereira de Abreu para Chefiar os colonizadores e recrutou índios de aldeias mais próximas, mandando transferí-los para o local do novo burgo. Como orientador espiritual mandou o Padre Miguel Ângelo de Moraes. No dia 31 de outubro de 1751 foram expedidas as orientações para o povoamento. Os açorianos realizariam os trabalhos na lavoura e contariam com a ação dos negros para derrubar a mata, destocar o terreno e limpá-lo. Aos índios estavam reservadas as atividades de caça, pesca e remeiros. O ajudante-de-ordem deveria promover a harmonia entre brancos, negros e índios. Os índios eram livres, razão pela qual alguns deles desapareciam por um bom espaço de tempo e depois retornavam. Mas, nem tudo saiu como foi planejado. As pesadas chuvas de final de ano arrasaram a lavoura e doenças de mau caráter atingiram os açorianos. Para complicar a situação, Manoel Pereira de Abreu discriminou o Padre Miguel Ângelo de Moraes e sequer lhe repassou a cota de alimentos que ele tinha direito. O sacerdote só não morreu de fome devido à assistência que os açorianos lhe deram.

D. JOSÉ I, rei de Portugal, cognominado o Reformador

            A povoação de Macapá deve ter sido iniciada na primeira quinzena de novembro de 1751, no mesmo espaço onde está erguida a Fortaleza de São José, próximo ao reduto fortificado instalado em 1738. A guarnição do Forte de Faxina se encarregou de mandar notícias ao Governador Mendonça Furtado a cerca das atitudes do ajudante-de-ordem. A 18 de dezembro de 1751, o Coronel João Batista de Oliveira saiu de Belém com a missão precípua de repreender Manoel Pereira de Abreu, substituí-lo e levar em frente o plano de criar o núcleo populacional de Macapá. Colocou tudo nos seus devidos lugares, dando especial atenção aos índios que ameaçavam debandar. No inicio de 1752, outros açorianos foram mandados para Macapá. Em fevereiro do mesmo ano, Mendonça Furtado visita a povoação pela primeira vez. Inspecionou e mandou corrigir o que não lhe agradou. Trouxe seu médico particular, que cuidou dos enfermos. Ainda em 1752, novos açorianos chegaram a Amazônia e centenas deles foram transferidos para Macapá. A situação do povoado apresentava sensíveis melhoras.
            Portugal utilizou açorianos para povoar Macapá como forma de evitar a influência das ordens religiosas sobre ela. A transferência de açorianos e de naturais da ilha da Madeira para a Amazônia e outras regiões do Brasil foi estratégica, porque a população tinha crescido muito e a área disponível para empreendimentos agrícolas era reduzida. Tanto o arquipélago dos Açores como o arquipélago da Madeira são de origem Vulcânica. O arquipélago da Madeira dita 560 km da costa do Marrocos. A Ilha da Madeira é a maior delas e tem 178 km². A sede é Funchal, designação dada à quantidade mais ou menos considerável de funchos dispostos aproximadamente entre si. Funchos, de latim fenuculu, é uma planta aromática e ramosa, da família das umbelíferas, de flores amarelo-esverdeada, dispostas em numerosas umbelas (sombrinhas) compostas, cujo fruto é medicinal. A segunda ilha mais importante é a do Porto Santo com 38 Km². Além dela existem os grupos das ilhas Desertas e Selvagens. O arquipélago dos Açores é formado por 9(nove) ilhas e dista 1.300Km da costa de Portugal. A ilha de São Miguel, a maior, com 747Km², é bastante montanhosa, com pico de 2.284metros. As demais são: Ilha de São Jorge, Ilha Graciosa, Ilha das Flores, Angra do Heroísmo, Porto Delgado, Faial, Terceira e Santa Maria, onde se localiza a Vila do Porto. Grande parte dos açorianos vindos para Macapá nasceu nas Ilhas Graciosa e Terceira.
                        Macapá sempre mereceu a atenção desvelada de Mendonça Furtado. Sua localização recomendava o assentamento de uma grande Fortaleza e a elevação do povoado a categoria de vila. Esta providência ele tomou no inicio do mês de fevereiro, em 1758, quando permaneceu 5(cinco) dias no povoado. A última visita tinha sido realizada em 1754, ocasião em que se deslocava para Mariuá, no Rio Negro, ao encontro de D. José de Iturriaga, com o qual discutiria a demarcação das fronteiras entre Brasil e as colônias espanholas. Desta feita, ele iria ao Rio Negro com o mesmo propósito. Deixou Belém decidido a cumprir a lei de 6 de junho de 1755 que mandava tirar dos missionários religiosos o poder temporal nas aldeias indígenas e o Alvará de 7 de junho que determinava converter as aldeias em lugares e os povoados em vilas. As aldeias governar-se-iam pelos seus próprios principais, que teriam debaixo de si sargentos-mores, capitães, alferes e meirinhos. Mas quem pelas sentenças destas autoridades se julgasse prejudicado poderia recorrer ao Governador do Grão-Pará e à Justiça de Belém e de São Luiz. No Maranhão e Pará havia sessenta aldeias indígenas, das quais 5(cinco) administradas por padres das Mercês, 12(doze) por Carmelitas e 15(quinze) por Capuchinhos e 28(vinte e oito) por Jesuítas. Os Jesuítas eram os únicos a serem hostilizados porque se opunham a tirania dos colonizadores brancos.
                    
                       Antes de apostar em Macapá, Mendonça Furtado parou na aldeia dos índios Urucará, onde o Padre Antônio Vieira havia introduzido índios nheengaibas, perseguidos por escravagistas. No dia 24 de janeiro de 1758, aldeia Urucará foi elevada à categoria de vila e testemunhou a instalação do Senado da Câmara. A denominação mudou para Portel. A comitiva do Governador chegou a Macapá dia 1° de fevereiro e as delineações do espaço que iria abrigar a vila ocorreram imediatamente. Este espaço corresponde as Praças Veiga Cabral (Largo de São Sebastião) e Barão do Rio Branco (Largo de São João).

sexta-feira, 27 de maio de 2011

VISITA DA VIRGEM DE NAZARÉ À AMAZÔNIA


            Por Nilson Montoril       

                                                                                 
Nossa Senhora, a Rainha da Amazônia

            Antes dos Abarés (aba=homem e ré=diferente), ou seja, os Padres Jesuítas, iniciarem seus trabalhos de catequese na Amazônia, nossos indígenas possuíam belíssimas lendas sobre a criação do mundo, dilúvio, origem da noite, o justiceiro jurupari, etc. Os personagens dessas lendas eram naturalmente elementos da cultura silvícola. Eles acreditavam que dentro da carcaça de cada ser vivo existia um espírito ou alma, ao qual denominavam de Anga. Se o ser vivo, principalmente o índio fosse cordial, solidário e amigo, dentro do seu corpo habitava uma Angacatú, isto é, alma boa. Caso ocorresse o contrário, no interior do corpo existia uma Angaíba (alma ruim).  Uma vez inseridos no meio dos gentios, os religiosos católicos introduziram preceitos cristãos em suas lendas. As divindades femininas dos índios eram: a Iara (senhora das águas) e Jacy (a lua). O índio usava o vocábulo ibaca para identificar o céu, a abóbada celeste, onde residia Tupã. Por influência dos sacerdotes católicos adotaram os neologismos Jandé Jará e Iandeyara para se referir a Deus. Os dois vocábulos significam Nosso Senhor (Jesus Cristo). Aangara ou Anhangá era o tentador, o diabo, o demônio. Quando queriam falar Nossa Senhora ou nossa mãe, usavam o vocábulo Nhandé Cy. Depois que a alma deixava o corpo ela ia habitar o Anguendaba, lugar onde deve estar a alma. A alma que necessitasse passar por espiações de falhas e ficava vagando no plano terrestre era denominada Anguera, alma que está fora do corpo, assombração. A alma cheia de pecados graves ou mortais ia direto para o Anhanguara, buraco do diabo, o inferno. O relato da morte de Jesus Cristo e da vida atribulada da Virgem Maria fascinava os índios. Muitas lendas surgiram sobre as aparições da Mãe de Jesus, notadamente na Europa. Porém, a que publico nesse espaço é uma das mais interessantes que conheço e foi recolhida pelo médico e etnólogo Ary Tupinambá Pena Pinheiro, notável homem de letras que viveu no Território Federal de Rondônia.
             “A Virgem de Nazaré, após a morte de seu amado filho, morto por incompreensão dos homens, subiu viva para a Mansão Celestial, para ficar ao lado dos seus entes queridos. Passaram-se anos e a Santa, sentindo saudades da terra, quis vir até este vale de lágrimas, mesmo porque teve conhecimento de que os ensinamentos do Divino Mestre não eram obedecidos. O ódio, a inveja, o rancor, o egoísmo e a hipocrisia continuavam com a mesmo intensidade das épocas passadas. Entretanto, não quis descer em seu país natural, porque as chagas de seu coração ainda sangravam devido àquela tarde de amargura e de terror, quando foi martirizado, torturado e crucificado o filho de Deus.Escolheu a região banhada pelo rio Tocantins, lugar em que os homens não haviam profanado a fauna e a flora, onde as plantas e os animais falavam.Certo dia, quando o sol brilhava com muita intensidade e o céu parecia mais azul, a Santa desceu incógnita em uma belíssima praias localizada entre os rios Jamundá e o Tapajós. Ficou extasiada quanto ao volume das águas, o esplendor da floresta, a alvura das areias das praias, as cachoeiras imponentes e continuou na sua peregrinação rendendo graças a Deus pela oportunidade que lhe dera de ver uma região tão bela e majestosa. À tarde, antes de regressar à Mansão Celestial, fez uma prece ao Senhor do Universo e prometeu que dentro de duas luas viria de novo continuar as suas andanças. Nossa Senhora pensava que estava incógnita, mas um peixinho amazônico, denominado Aramaçá, que devido às suas inúmeras indiscrições, ficou com deformação na cabeça e estrábico, acompanhava todos os passos da Mãe de Jesus.Logo que a Santa subiu aos céus, o linguarudo participou a todos os animais, às plantas e aos insetos tudo quanto tinha visto e ouvido. Foi um alvoroço. Imediatamente foram constituídas comissões de quadrúpedes, aves, peixes, répteis, insetos, plantas, para a recepção de Nossa Senhora, daí a duas luas...

            Foi construído na praia a que a Santa deveria chegar um grande altar, aromatizado com as essências mais perfumadas, tais como: sândalo, cumaru, e o pau rosa. A bicharada, sob a regência do maestro Jabuti, “doublé” e filósofo, ensaiara um hino sacro para saudar a Virgem Maria. Tudo foi preparado com arinho e amor. No dia marcado para a visita da Santa postaram-se nas nuvens o urubu-rei e o gavião real, cujas dispersões de vôos são incomparáveis, para dar notícias da aproximação de Nossa Senhora. Era uma bela manhã de sol. O Céu, sem nuvens, brilhava intensamente. A natureza compartilhava com a bicharada, com sua beleza, para receber a Mãe do Divino Mestre. E, às nove horas da manhã, ouviu-se um grasnar do gavião-real e o crocitar rouquenho de urubu-rei, anunciando a descida da Mãe de Deus. A Santa chegou suavemente e pisou nas areias branquíssimas da praia. Imediatamente partiu da mata uma belíssima e significativa procissão de quadrúpedes, répteis e ofídios tendo à frente, portando um vistoso estandarte, o tamanduá-bandeira. A confraternização dos animais era impressionante. Via-se a onça pintada de braços com a sua fidagal inimiga, a anta; a suçuarana e o veado vinham abraçados; a jararaca, toda risonha estava enrolada no pescoço do queixada; o jacaré, lado a lado com a paca. Bandos de macacos saltando nos cipós balançavam-se nos galhos. Viam-se os macacos: barrigudo, o guariba, o da noite, o do cheiro, o cuxiú, o coatá, comandados pelo prego, que pulava de alegria, chegando até a perturbar o ambiente. Bela confraternização universal que deveria ser imitada pelo homem. Revoadas de bem-te-vis, arapongas, andorinhas, canários-da-terra, pipiras, anus, coleiros, tangarás, tico-ticos, ferreirinhos, urutaus, anambés e tanguruparás coloriam o ambiente como também as borboletas azuis, amarelas, brancas, pardas, furta-cores e listradas. Outra revoada chegava cada ave procurando ansiosamente uma nesga de chão ou galho desocupado. Eram sanhaçus, arapapás, gaivotas, jaburus, guarás, garças, cojubins, pica-paus, maçaricos, mergulhões, surucuás e piaçocas. Das águas mansas do rio saltaram o boto, o peixe-boi e o pirarucu, seguidos por toda a fauna fluvial. Vinham cantando o hino sacro ensinado pelo maestro Jabuti, que compenetrado empunhava a batuta.

            Santa Maria, deslumbrada, sentou-se ao trono e a manifestação dos animais foi iniciada. O jacaré-assu, relações públicas, deu a palavra ao intelectual dos sáurios amazônicos, o jacaré-de-lunetas, que proferiu uma belíssima oração de louvor à hóspede, causando lágrimas a todos os presentes. O jacaré-assu abrindo a bocarra, deixou correr pelos olhos grossas bagas de lágrimas, lágrimas de crocodilo. O peixe-boi depositou aos pés da Virgem Santíssima uma esplendida corbelha de flores de mururé, cuja flor lilás condizia o hábito da Santa; o boto, esquecendo por instantes as suas conquistas amorosas, depositou aos pés da Mãe de Jesus uma magnífica vitória-régia, trazida do lago “Espelho de Lua”, em Faro, o lago mais bonito da Amazônia; o pirarucu, representante dos peixes, pediu a palavra; porém, não pôde continuar com a sua oração em virtude da sua língua óssea e de ser gago; miríades de andorinhas grifavam ao redor da Divina Santa; os beija-flores trouxeram nos bicos minúsculos e cheirosas flores: violetas, jasmim, mirtos, e pulverizaram a coroa de Mãe de Jesus. Durante a manifestação o cauim, a tiquira, a manicuera e a caussuma corriam em profusão entre a bicharada. E o macaco-prego, na sua euforia e saliência, dava saltos imponentes igual a um atleta de circo, perturbando cada vez mais a reunião. O quati-mundéu, delegado de polícia, que não brincava em serviço, imediatamente o prendeu na sapopema de uma samaumeira. Entardecia. Nesse ínterim, ouviu-se uma linda música saída das capoeiras. Era uma banda regida com maestria pelo mutum, que tocava o seu bombardino; as aracuãs tocavam os pistões; os papagaios, os periquitos, os clarinetes e as requintas. Que música eloqüente e inebriante dedicada à Mãe mais sofrida do mundo.A festa estava no auge! A Virgem carinhosamente olhava com ternura e amor toda aquela bichara alegre, ruidosa, feliz e mais uma vez, fez uma prece ao Senhor do Mundo, por ter povoado a Amazônia com toda aquela maravilha. A algazarra era imensa, a euforia contagiante, a confraternização emocionante. Nessa ocasião, apareceram os poetas da mata, para prestarem também a sua homenagem. Cantaram as patativas com suas vozes de soprano; depois o mavioso rouxinol, com voz de tenor; em seguida o sabiá-da-mata, com sua voz de barítono, cantou, interpretando a tristeza do entardecer das matas amazônicas. A algazarra continuava hilariante. A Santa pouco podia escutar. 
 
O Uirapuru ( guira=ave e puru=revezar).Assim chamado devido a variedade de cantos
E foi nesse momento que se ouviu o trinar docente, e, como por encantamento, toda a algazarra cessou. Todos escutavam enlevados o Orfeu ornitológico amazônico. Era um passarinho feio, pardusco, o Uirapuru, que parecia ter na sua privilegiada garganta de cristal todas as rimas e todas as estrofes comoventes e arrebatadoras existentes no Universo. O Uirapuru passava do alegre ao grave, do pitoresco ao dramático, da canção à sinfonia. A bicharada imóvel e Nossa Senhora risonha, prestavam viva atenção à música daquela garganta de ouro, que soltava acordes tão inebriantes, tão sedosos, tão sentidos. Ouviu-se um sussurro. Era Nossa Senhora, emocionada até as lágrimas, que se levantou do seu trono e conferiu ao passarinho cantador o condão de pássaro da sorte. E é devido ao presente da Mãe de Jesus que a tradição conta que o individuo que possuir um bico, uma pena ou mesmo uma patinha do Uirapuru, a sorte lhe será perene.
            A Virgem Santíssima, apesar de estar imensamente comovida e apreciando toda aquela admirável manifestação, tinha de regressar aos céus. Fez uma prece por todos, abençoou toda a bicharada e prometeu voltar brevemente”. É provável que algum jesuíta tenha concebido essa narrativa, que foi sendo passada de geração à geração. Há quem afirme ter sido organizada pelos animais da Amazônia a primeira grande homenagem a Virgem de Nazaré, embrião do círio organizado pelos homens, que começou na cidade de Vigia e atualmente também ocorre em outras cidades amazônicas, inclusive em Macapá.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

CHEFE "91"

Expedito Cunha Ferro,com seu famoso apito italiano,atuando no Estádio Glicério Marques

                                         


                                                                                                     Nilson Montoril

                        Mais um pioneiro da implantação do Território Federal do Amapá desencarnou do verbo. A exemplo de muitos dos seus contemporâneos, Expedito Cunha Ferro não foi apenas um simples servidor público. Franzino e de estatura mediana, enveredou pelos caminhos do escotismo, do esporte e das artes cênicas, contribuindo para a formação moral e intelectual de centenas de garotos e adolescentes. Expedito Cunha Ferro, nascido em Belém no dia 9 de março de 1927, mudou-se para Macapá em 1945, para trabalhar, jogar futebol e difundir o escotismo. Fez parte do primeiro grupo de escoteiros da Tropa Veiga Cabral, que era dirigida pelo Tenente Glicério de Souza Marques. A queda pela doutrina de Baden-Poweel começou a ganhar seu interesse ainda em Belém, nos redutos da Federação Educacional Infanto-Juvenil, cujo fundador e coordenador foi o então tenente do Exército Brasileiro Gonçalo Lagos Castelo Branco Leão, o Chefe Castelo. No futebol, Expedito Ferro optou pela posição de goleiro, cuja denominação, à época, era “guarda-metas” ou “guarda-valas”. Dos tempos da caserna, herdou como apelido o seu número de guerra, noventa e um. Sua cabeça, em relação ao corpo, era considerada miúda, fato que lhe valeu a alcunha de “cabeça-de-macaco”, coisa que ele detestava. Possuidor de bom conhecimento de ordem unida ingressou no quadro de servidores do Território do Amapá como instrutor de educação física. Bom disciplinador tinha sempre às mãos um apito. Quando “91” ingressou na Tropa de Escoteiros Veiga Cabral, fundada dia 12 de setembro de 1945, o chefe Glicério de Souza Marques tinha como auxiliares os pioneiros Clodoaldo Carvalho do Nascimento e José Raimundo Barata, ambos egressos de Belém. Os três são apontados como elementos de proa na história da FEIJ, por onde também passou o Chefe Cláudio Carvalho do Nascimento. Em Belém, Expedido Cunha Ferro foi membro da Federação Paraense de Escotismo. A 23 de abril 1953, Expedito Cunha Ferro, Humberto Álvaro Dias Santos e o Padre Vitório Galliani fundaram a Tropa de Escoteiros Católicos São Jorge. Foi nesta organização que ingressei como lobinho. Os padres italianos, chegados à Macapá em 1948, haviam implantado o Oratório Recreativo São Luiz, na Paróquia de São José. O terreno que eles herdaram dos missionários da Congregação da Sagrada Família foi ampliado, permitindo a construção de um barracão de madeira e de uma quadra esportiva para a prática de basquete, voleibol e futebol-de-salão. Na área de recreação, mais conhecida como quintal dos padres, havia uma pequena casa de madeira, coberta de palha de ubuçu, onde o Chefe “91” residia. Nosso saudoso amigo era um celibatário convicto. Ainda em 23 de junho de 1953, graças à criatividade do Expedito Ferro, os escoteiros apresentaram o “Cordão do Papagaio”, que ele tão bem conhecia desde o tempo em que participou das atividades da Federação Educacional Infanto-Juvenil (FEIJ), em Belém. Também foi da sua iniciativa a encenação do Boi-Bumbá “Pai-da-Malhada”, bastante divertido. Vários outros cordões juninos mereceram destaque com o passar do tempo, todos concebidos pelos chefes Humberto Santos e Expedito Cunha Ferro. Como professor de educação física, 91 foi imbatível na Escola Industrial de Macapá. Por ocasião dos desfiles estudantis e das olimpíadas, a turma que ele treinava fazia sucesso. Além do futebol, Expedito Ferro também praticou o basquete e o vôlei. Quando deixou de jogá-los, assumiu a função de árbitro. O drama de arbitrar jogos do Juventus trouxe alguns contratempos ao Expedito. Entretanto, sua parcialidade merece encômios e ninguém, em sã consciência, pode acusá-lo de ter, voluntariamente, prejudicado ou favorecido o “Moleque Travesso” ou qualquer outro clube local. Torcia pelo Botafogo de Futebol e Regatas, daí a sua preferência pelo Amapá Clube. Dentre os times de futebol de Belém, o Clube do Remo tinha cadeira cativa no coração do fanático Expedito. Do tipo brincalhão, o 91 só ficava possesso quando alguém o chamava de “cabeça-de-macaco”. Guardadas as devidas reservas, o cocuruto do Expedito Ferro era mesmo parecido, notadamente com o Caiarara, o mais esperto dos símios amazônicos. Para animar as manhãs de domingos, quando eram realizados os jogos do campeonato oratoriano, o 91 fazia uso de amplificador, alto-falante e microfones para narrar as partidas. Criou a PRC. Juvenil, a voz oratoriana, por onde o Estácio Vidal Picanço e eu iniciamos como narradores esportivos. Na década de 1940, ninguém conseguia sobrepujar Raimundo Nonato Lima, o velho chibé na  arbitragem futebolística. A partir dos meados de 1950, o árbitro mais requisitado, por ser mais técnico, foi o 91. Quando o sujeito apelava para o jogo violento, ouvia, em tom de reprimenda: “joga direito seu cavalo de arraial, senão eu te expulso de campo”. Em 1945, a escalação do Amapá Clube mais freqüente era: 91; Cabral e Branco. Palito, Raimundinho e Álvaro Arara; Assis, Chumbo, Penha, Puga e Walter Nery. Ele também atuou ao lado de outros companheiros nos anos seguintes, entre os quais destacamos: Alvibar, Pina, Higino, Nilo, Pena, Newton, Passarinho, Pintor, Genésio, Moringueira, Mafra, Marituba, Zé Maria Leão, Zé Maria Chaves, Campos, Joãozinho, Adãozinho e Boró. Quem não formava na onzena principal, integrava o Uirapurú, o time secundário do alvinegro amapaense. Detalhe para o Penha, que jogava de óculos. De todos eles, apenas o Walter Nery permanece em Macapá. O Raimundinho Araújo, o Pina e o Assis (Severo) residem em Belém. Os demais estão em outro plano. O Expedito Cunha Ferro partiu. O dia três de agosto marcou a sua cortada. Há três dias, em decorrência da morte de uma sobrinha que ele adorava e que o assistia, caiu em profunda depressão. No decorrer deste período não quis se alimentar, permanecendo trancado no quarto. Morava só na Base Aérea de Balem. Quando decidiram arrombar a porta, ele estava enfartado. Já não era o homem de corpo franzino, engordara e somava 77 anos de idade. Com ele, foram para a eternidade: o 91, o cabeça-de-macaco, o bobo da corte, o folclorista, o chefe escoteiro, o instrutor de educação física, o desportista e o amigo. Enquanto esteve no mundo dos vivos, 91 sempre honrou a saudação escoteira: “Sempre Alerta, Para Servir na Forma do Melhor Possível”. Anrrê, Expedito Cunha Ferro, que agora contempla outro arrebol. Tem razão o Padre Lino Simonelli ao afirmar que a vida é curta como a folha do mastruz. Artigo publicado no Jornal Diário do Amapá, edição de 6/8/2004)       

1º JAMBOREE PAN-AMERICANO


                                      

Da esquerda para a direita da foto: Luiz Tadeu, Nelson, Biroba, Mozart Souza, Gerônimo Acácio, Fiúza,Ubaldo Medeiros(centro,de branco),Gitinho (como o Biroba chamava o menor escoteiro do acampamento,) Urivino Bandeira( mostrando o jornal  "O GLOBO" que enaltece o escotismo do Amapá), Santiago( lendo o jornal), João Lázaro(agachado), Haroldo e Nilson Montoril(sentado).
                                                                      

                        Para comemorar o IV Centenário do Rio de Janeiro e os 50 anos de realização do acampamento mundial na ilha de Brownsea, a União dos Escoteiros do Brasil realizou na cidade do Rio de Janeiro, o 1º Jamboree Pan-Americano. O monumental evento, que se tornou realidade no período de 18 a 25 de julho de 1965, reuniu escoteiros de diversos paises do globo A Região Escoteira do Amapá se fez presente com uma delegação composta por 38 discípulos de Baden-Pawell, que integravam os grupos Veiga Cabral, Marcílio Dias, São Jorge e João Gualberto da Silva, chefiados pelos chefes Clodoaldo Carvalho do Nascimento, Benedito Santos, Manoel Ferreira, Expedito Cunha Ferro e Hilkias Alves de Araújo. Os preparativos para a longa viagem foram intensos. Os escoteiros aprenderam o hino do Jamboree que o Trio Irakitan havia gravado, realizaram promoções diversas como cordões de pássaros, teatro, bingo, rifas, venda de artesanatos e passagem de livro de ouro para angariar recursos financeiros. Eu, Raimundo Magalhães, Manoel Ferreira (Biroba) e o lobinho Ângelo Pires da Costa, ensaiamos e apresentamos a peça “A Galinha dos Ovos de Ouro”, encenada no Barracão Pio XII (quintal dos Padres) e nos cine-teatro das vilas Amazonas e Serra do Navio. Personificando o Gigante Ferrabraz, usei um figurino recheado com travesseiros, o que levou muita gente a pensar que artista fosse o irmão Francesco Mazollene, o famoso caterpillar. O sucesso em Serra do Navio foi tão grande que fizemos várias apresentações sábado e domingo. É claro que a ICOMI foi bem generosa conosco em termos de cachê. Embarcamos para Belém ao anoitecer do dia 8 de julho de 1965. A concentração dos escoteiros ocorreu na Praça Tibúrcio Andrade, em frente ao Macapá Hotel. Uniformizados, com as mochilas, bandeiras e outros apetrechos próprios do escoteiro, aguardamos o momento de embarcar no rebocador Araguary. Como o Araguary puxava a alvarenga Uaçá, gastou 46 horas para cobrir o percurso entre Macapá e Belém. No alvorecer do dia 11 de julho desembarcamos na Bacia da Doca Souza Franco e em ônibus fretado rumamos para o Rio de Janeiro. Até alcançarmos a rodovia Bernardo Sayão, o ônibus trafegou sobre pista asfaltada. Após alcançar o trecho próximo a Capanema/Pará, enveredou por uma estrada sem capeamento asfáltico, fazendo-nos enfrentar poeira até Brasília. Na capital federal permanecemos algumas horas na Estação Rodoviária devido à troca de viatura. Levavamos uma sucuri de 4 metros enrolada em um veado, ambos empalhados, fato que aguçou a curiosidade das pessoas, inclusive da imprensa. Diante do espanto dos curiosos dizíamos que aquela sucuri ainda era filhote de cobra. Um ônibus novo nos transportou até o Rio de Janeiro, aonde chegamos por volta das 17h30 do dia 14 de julho. O grande acampamento ainda estava sendo montado, razão pela qual tivemos que nos alojar no prédio que abrigaria o Hospital Universitário da Ilha do Fundão. Estava anoitecendo e descemos do ônibus cantando a “Canção da Alvorada”, mais conhecida como “O Rio Soluça”. Os versos adaptados à bela canção foram concebidos pelo Coronel Luiz Ribeiro de Almeida. Por um capricho do destino, encontramos alojados no mesmo imóvel os escoteiros do Rio Grande do Sul que rapidamente foram ao nosso encontro. Estávamos com tanta fome que em pouco tempo acabamos com o estoque de bananas dos nossos irmãos de ideal. Ao amanhecer do dia 15, fomos conhecer o espaço onde permaneceríamos por 10 dias. A ilha do Fundão possuía algumas instalações da Marinha, na orla da Baia da Guanabara, mas era despovoada na área próximo ao Aeroporto do Galeão e a Avenida Brasil. As máquinas que fizeram à raspagem do terreno delimitaram os campos com a terra removida. Em uma divisória eu tive a idéia de construir um fogão de duas bocas que virou atração no acampamento. 
No sentido dos ponteiros do relógio: Manoel Ferreira ( Biroba -Tropa Marcilio Dias ), Nilson Montoril ( Tropa São Jorge ), Urivino Bandeira ( Tropa Veiga Cabral ), Ubaldo Medeiros ( Tropa Marcilio Dias ) e Nelson ( Tropa João Gualberto da Silva). Em 1965, apenas esses grupos existiam no Território Federal do Amapá.

                     
Também confeccionei uma mesa utilizando bambu. Essas duas pioneirias nos garantiram a bandeira de eficiência por dois dias. No campo aonde nos instalamos tivemos como vizinhos os escoteiros da Venezuela, Uruguai, Espírito Santo e Escócia. O Biroba só chamava os escoceses de “saiudos” porque o uniforme deles compreende o uso de saias feitas com lã, com xadrez colorido (tartan) chamadas kilt. Elas têm franjas decorativas e um grande alfinete de bebe. A solenidade de abertura do Jamboree ocorreu na manhã do dia 18 de julho e fazia muito frio. Alguns carros do Jornal “O Globo” distribuíram exemplares de edições antigas a fim de que pudéssemos forrar o chão, ainda úmido devido às chuvas e as baixas temperaturas. O dia-a-dia decorreu com alvorada, café, hasteamento da Bandeira, almoço, jantar, serviços de pioneirias, jantar e fogo-de-conbselho. A programação comportava passeios aos pontos turísticos do Rio de Janeiro, inclusive ao Maracanã. Também passeamos na Baia da Guanabara, em embarcações da Marinha de Guerra. Dia 26 de julho, ao deixarmos a Ilha do Fundão, fomos hospedados em um casarão, em estilo colonial, no bairro da Lapa. Na manhã do dia 27, numa deferência especial da ICOMI, fomos a São Paulo, viajando pela Rodovia Presidente Eurico Dutra. Permanecemos 8 horas em São Paulo, tempo suficiente para conhecermos o Estádio Paulo Machado de Carvalho, o famoso Pacaembu. Retornamos ao Rio de Janeiro no mesmo dia, prontos para deixar a capital do então Estado da Guanabara. Saímos do Rio de Janeiro, dia 28 de julho, alcançando Belém ao anoitecer do dia 1º de agosto. Deixamos o ônibus e nos agasalhamos na Alvarenga Uaçá, que estava na Doca de Souza Franco aguardando carga. A demora foi de 12 dias, parecendo que tínhamos sido abandonados. Soubemos posteriormente que o comando da revolução militar, em Macapá, estava hostilizando o movimento escoteiro e que alguns escotistas tinham sido presos. Lamentavelmente, a Representação do Governo do Amapá, em Belém, sequer forneceu alimentação aos escoteiros. Eles se alimentaram vários dias com farofa feita com óleo. Só consegui retornar a Macapá no dia 14 de agosto, porque comprei uma passagem dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul. A despeito desses percalços a experiência foi extremamente válida. Guardo com muito carinho três fotografias que recebi do Chefe Clodoaldo, retratando as pioneirias que fiz. Outra foto mostra parte da delegação de escoteiros do Amapá.

Escoteiro escoses no stand do Amapá
           

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Alguns dos primeiros assessores do governador Janary Nunes

  
                        Nomeado governador do Território Federal do Amapá a 27 de dezembro de 1943, com posse no Ministério da Justiça dia 29, o jovem Capitão Janary Gentil Nunes não perdeu tempo para montar sua equipe de assessores em nível de primeiro escalão. Ele sabia que a missão confiada pelo Presidente da República, Getúlio Dorneles Vargas, seria árdua e desgastante, razão pela qual precisaria de pessoas disciplinadas, éticas e experientes. A então República dos Estados Unidos do Brasil estava sob regime ditatorial iniciado em 1930 e os territórios federais tinham sido criados para marcar a presença do governo nas áreas de segurança nacional. Janary Nunes já havia servido no contingente do Exército sediado no Oiapoque, era natural da cidade de Alenquer, no Estado do Pará, e no decorrer da II Guerra Mundial comandou a Companhia Independente de Metralhadoras Antiaérea de Val-de-Cans, em Belém. A capital do Território do Amapá, nos termos do decreto-lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943, que o criou, deveria ser a cidade de Amapá, palco da reação de bravos brasileiros contra a invasão dos franceses a 15 de maio de 1895. Mas, a cidade de Amapá só podia ser alcançada por via marítima e aérea, tendo como complicador o fato de estar em curso a II Guerra Mundial e parte de seu território abrigar uma base aérea construída pelos americanos. Janary Nunes requereu ao Presidente Vargas a mudança da sede para Macapá, sendo atendido no dia 31 de maio de 1944. Mesmo sem existir um ato administrativo declarando Macapá como capital da nova unidade administrativa, o Capitão-governador instalou o governo do Território do Amapá na então decadente “estância das bacabas”. No dia 25 de janeiro de 1944, viajando no avião “Veiga Cabral”, do Aéro-Clube Júlio César, de Belém, Janary Nunes e seus convidados foram recepcionados em Macapá pelo Secretário-Contador da Prefeitura, Tenente Jacy Barata Jucá. Ele  exercia temporariamente o cargo de prefeito devido à licença médica tirada pelo Major Eliezer Moisés Levy. Do campo de pouso da Panair do Brasil até o prédio da “Intendência Municipal”, os passageiros e tripulantes do avião foram transportados na carroça do senhor Pedro Lino do Carmo, sobejamente conhecido na cidade como Pedro Bolívar. A solenidade de instalação do governo contou com a presença do senhor Guilherme Lameira Bittencourt, que representou o governo do Estado do Pará. Até que outro lugar condigno fosse preparado para abrigar o gabinete do governador, Janary Nunes e seus primeiros assessores dividiram os espaços da Prefeitura de Macapá com a equipe de Jacy Jucá. A estrutura imediata de governo compreendeu uma Secretaria e sete Departamentos: Secretário Geral, advogado fazendário Raul Montero Valdez; Diretor do Departamento de Segurança Pública e Guarda Territorial, advogado e jornalista Paulo Eleutério Cavalcante de Albuquerque; Diretor de Saúde Pública, médico Pedro Lago da Costa Borges; Diretor de Educação e Cultura, advogado e professor Otávio Machado Mendonça; Diretor de Produção e Pesquisa, Arthur de Miranda Bastos; Diretor de Viação e Obras Públicas, engenheiro Hildegardo Nunes; Diretor de Administração, contabilista Paulo Moacyr de Carvalho; Diretor de Terras, Geografia e Estatística, agrônomo Oscar Leite Brasil. Posteriormente, os departamentos foram transformados em divisões e as atividades de geografia e estatísticas ficaram como competências da Divisão de Administração. Também foi criada a Superintendência dos Serviços Industriais e nomeado para comandá-la o senhor Elói Monteiro Nunes, tio de Janary Nunes. Na fotografia que ilustra este artigo figuram alguns dos assessores mais diretos do governador: da esquerda para a direita, em pé, de branco, Otávio Machado de Mendonça; Arthur de Miranda Bastos; Pedro Lago da Costa Barros; Tenente Teixeira (Ajudante de Ordem) e Elói Monteiro Nunes. Sentados, no mesmo sentido, Raul Montero Valdez, Janary Gentil Nunes e Paulo Moacyr de Carvalho. Foto tirada no Gabinete Governamental, prédio do atual Museu Histórico Joaquim Caetano da Silva.

TREM SEM TRILHOS - Por Nilson Montoril

                                                   


Vista aérea da Fortaleza São José de Macapá


                        Por desinformação ou por teimosia, alguns habitantes do Estado do Amapá divulgam fatos incorretos sobre nossa história. Como atualmente quase ninguém faz uso dos velhos e sábios ditos populares, é bom lembrar que “nem tudo que reluz é ouro”. O nome Trem, que designa o terceiro bairro surgido em Macapá e um tradicional clube desportivo nada tem a ver com locomotiva. A palavra trem corresponde ao conjunto de ferramentas utilizadas para a realização de determinada atividade. Com o passar do tempo, ganhou o sentido de algo feito de modo empírico e desconhecido da maioria da população, que o digam os mineiros. Por ocasião da construção da Fortaleza São José, na então vila de Macapá, os edificadores do importante monumento bélico lapidavam as pedras brutas trazidas das campinas do rio Araperu utilizando marretas, talhadeiras, compassos e outras ferramentas para moldá-las de acordo com as medidas recomendadas pelos engenheiros militares. As pedras eram trabalhadas em um grande barracão situado na área que hoje abriga residências entre a Rua Tiradentes e a Praça Floriano Peixoto. A barulhenta oficina tinha o nome de trem de lapidação. Uma vez formatadas, as pedras estavam prontas para serem assentadas nas muralhas, nas almeias e nos baluartes. O trabalho de lapidação exigia muita concentração e perseverança e era realizado em grande escala pelos escravos sob a supervisão de um auxiliar de engenharia. Basta alguém observar detalhadamente a Fortaleza para ter noção do belo trabalho desenvolvido na preparação de cada peça, notadamente nas que foram assentadas nos pontos de contorno e no frontispício do portão principal. Se os restos das pedras lapidadas não foram encontrados na área acima referida é porque tudo foi recolhido para aterrar os espaços do pátio central, dos baluartes e das almeias. As pedras foram transportadas para Macapá em barcaças pilotadas pelos índios e descarregadas perto do canteiro de obra. Daí seguiam em carros de boi até o trem de lapidação. Quando o Capitão Janary Nunes instalou o governo do Território Federal do Amapá, aqui só existia o bairro central. A partir de abril de 1944, começou a transferências de algumas famílias afro descentes que habitavam as laterais do antigo Largo de São João e áreas adjacentes, todas devidamente indenizadas, para os campos do Laguinho. Pouco depois, com o crescimento da população, espaços próximos à Fortaleza foram progressivamente ocupados até ultrapassarem a área onde existiu o trem de lapidação. O novo bairro passou a ser identificado como bairro da Fortaleza. Graças ao historiador Arthur César Ferreira Reis, despontou a idéia de identificar o bairro como Trem, que foi muito bem aceita. Há que diga que o nome é trem porque era intensão da ICOMI construir o porto de embarque de manganês no Elesbão. Consequentemente, uma estrada de ferro ligaria Macapá a Terezinha, na Serra do Navio. Pura invencionice, haja vista que a ICOMI se valeu de estudos efetivados pelo governo do Amapá sobre o Porto de Santana para construir o cais flutuante e seu trapiche. Além disso, o contrato para a construção da Estada de Ferro do Amapá só foi assinado em março de 1953 e a rodovia inaugurada em 5 de janeiro de 1957.

                        Na esfera militar, durante muitos anos, quando alguém se referia ao local onde eram guardadas as armas de artilharia, balas e munições, usava o termo trem de guerra ou de artilharia. Em diversos paises o velho costume foi preservado. Recentemente, quando o Trem Desportivo Clube foi jogar contra o Náutico Capibaribe, em Recife, a crônica esportiva brasileira achou curioso o nome do nosso representante na Copa Brasil e fez gozação. A Rede Globo chegou a mostrar uma composição se deslocando sobre trilhos. O clube rubro-negro de Macapá foi fundado a 1º de Janeiro de 1947, com o pomposo nome de Trem Esporte Clube Beneficente. Com sua sede edificada no bairro onde residiam famílias com prole numerosa, recebeu o epíteto de Clube Proletário. Porém, nunca seus fundadores o chamaram de locomotiva. O Trem do bairro do Trem não é trem que corre em trilhos, como são os trens da alegria, cujos maquinistas são os políticos e seus apadrinhados de má índole.