segunda-feira, 28 de maio de 2012


    O BURRO DO PITAICA

                                                           Por Nilson Montoril
                                                                                                 
O estabelecimento comercial do Sr. Manuel Eudóxio Pereira, situado na esquina da Rua São José com a atual Avenida Presidente Getúlio Vargas é o que aparece à direita desta foto.O burro era mantido atado a uma corda no terreno localizado no outro lado da rua. A fotografia que ilustra este artigo foi tirada num dia festivo e mostra estudantes marchando no sentido da Praça Barão do Rio Branco. Deste cenário, a única casa que ainda existe é a que vemos em primeiro plano, à esquerda da foto, que pertence à famila Marques Picanço.

                        O comerciante Manuel Eudóxio Pereira, conhecido na cidade de Macapá pela alcunha de Pitaica, foi um dos mais ilustres filhos de Macapá. Amigo de todos procurava ajudar os mais necessitados, notadamente os que apreciavam a “marvada pinga”, Católico fervoroso, podia ser encontrado com facilidade na Igreja de São José durante os cultos católicos. Era forte, decidido, daí o apelido de Pitaica, nome de uma árvore encontrada no campo, na terra-firme e na várzea. Possuía um burro deverasmente enfezado, que puxava uma carroça destinada aos serviços da “Casa Popular”(Armazém do Povo), de sua propriedade. Mesmo atrelado à carroça, o burro dava trabalho. Em razão de ser endemoniado, o burro passava a maior parte do tempo preso a uma corda, num terreno vago que existiu na esquina da Travessa Floriano Peixoto com a Rua São José, local onde funcionou o Banco da Lavoura de Minas Gerais e hoje abriga uma loja. O cenário das peripécias do burro do Pitaica é a Macapá do final da década de 1930 e inicio da década de 1950. Naquele tempo, era coisa comum os quadrúpedes viverem soltos nas ruas, principalmente depois das 18 horas. Na periferia da pequena cidade muitos moradores mantinham atividades agrícolas e pecuárias. Cavalos, éguas, burro e mulas trabalhavam durante o dia, puxando carroças e transportando cargas e até gente. Valiam-se da noite para pastar, beber água e praticar “o aquele”. O burro do Pitaica adorava pastar no campo de futebol que existia na Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos, onde reinava absoluto entre as éguas e mulas mais velhas que já não interessavam aos mais novos. O diabo é que o burro do Pitaica era demasiadamente avexado, partidário do “vamos que vamos”. Ele só vivia de orelha em pé e voltadas para trás, sinal evidente de que estava a fim de transar. Nem sequer cortejava as pretendidas.

O burro do Pitaica era semelhante ao animal de cor castanho escuro que vemos nesta fotogradia.

 Como o burro era muito violento, as fêmeas o rejeitavam com coices e mordidas, coisa que ele retribuía com maestria. Parece que o burro era fã da máxima “ou dá, ou desce”. O pior é que não eram só as orelhas que o burro levantava. A genitália do bicho era de tal forma desconforme, que dava a impressão dele ter nascido com cinco pernas. Com relativa freqüência, os donos dos animais maltratados iam ter com o Pitaica pedindo que ele mandasse o burro para a região rio Pedreira, caso contrário a vida do bicho iria correr grande risco. Reclamar na Polícia era perda de tempo, haja vista que o senhor Manuel Eudóxio Pereira tinha muita influência na cidade, sendo vizinho da Delegacia Central. A solução do Pitaica consistia em prender o burro. Em contrapartida, os donos das vitimas do burro deveriam encontrar outro local para que elas pastassem em paz. Quando o burro encontrava uma fêmea assanhada como ele, o “love you” era da moléstia. Houve um caso muito interessante protagonizado pelo burro ao montar, na marra, em uma éguinha prestes a debutar no exercício da luxúria. O dono da éguinha exigiu indenização, alegando que o burro havia emprenhado sua cria. O queixoso alegou que a maneira violenta como o estupro foi praticado causou o remonte de cinco costelas da infeliz criatura. Pitaica lhe passou uma descompostura, dizendo que o burro é um animal estéril e não tem como gerar filhos. Na prática, a éguinha gostou tanto do desempenho do burro, que ia direto ao local de seu cativeiro todas as vezes que fugia da casa do dono.

Estas mulas tão bem cuidadas, em nada se parecem com as femeas que tanto encantavam o burro do Pitaica.

 Outro fato diz respeito a uma exigência que algumas beatas fizeram ao senhor Pitaica através do Padre Felipe Blanck, vigário da Matriz de São José. Elas costumavam assistir a missa das 6 horas da manhã, diariamente, e não suportavam ver o burro todo excitado, olhando as fêmeas que pastavam no campo de futebol. Consta que elas colocavam as mãos sobre os olhos, mas o povo comentava que os dedos sempre ficavam afastados. A injúria foi de tal monta, que uma das beatas sugeriu que o Pitaica mandasse fazer um calção de mescla reforçado para esconder as vergonhas do animal. O priapismo do burro ficou tão famoso, que passou a ser referência sempre que alguém cheio de frescura queria dar uma de gostosão: “o que falta pra ti é o burro do Pitaica”.

segunda-feira, 21 de maio de 2012


    UM SINGULAR SOLDADO DA BORRACHA

Por NILSON MONTORIL
O Sr. Antônio Leite Cavalcante descendia de nordestinos que migraram para a Amazônia impelidos pela seca. Era um homem integro, trabalhador e possuidor de um acentuado amor humanitário por seus semelhantes. A presente fotografia foi tirada em Mazagão Velho, em 1953, por ocasição da festa de SãoTiago. A criança que aparece em seu colo é minha esposa, Rosa Maria Lima de Araújo, sua afilhada de "águas bentas". Foi um homem devotado à agricultura e às atividades extrativistas. Riscou seringueiras, fabricou borracha, vendeu látex e sernambi, colheu castanha-do-pará e outras sementes oleaginosos destinadas ao fabrico de sabão.Viveu humildemente, mas nunca passou necessidade.
Em viagem pelo Brasil, o inglês Henry Wickhan coletou, em 1876, cerca de 70 mil sementes de seringueira, nas regiões dos rios Madeira e Tapajós, mandando-as para a Inglaterra. As sementes foram enterradas em viveiros, na cidade de Kew e 7 mil delas brotaram. Mais tarde, transplantadas para o Ceilão, favoreceram a formação de seringais racionalmente plantados. Dentro de poucos anos o plantio dominou a produção mundial. Enquanto a borracha nativa do Brasil decaiu de 60 mil toneladas, em 1910, para 42 mil toneladas em 1920, a borracha plantada, no mesmo período, subia de 8 mil toneladas para 360 mil toneladas. Em 1882, a borracha ocupava o terceiro lugar, entre as exportações do Império do Brasil, superada só pelo café e o açúcar, e em torno dela girava toda a formação histórica da região Amazônica. Em 1888-1890 e em 1900- 1901, novas grandes secas no sertão nordestino atiraram para o extremo-norte outras levas de sertanejo. A presença dos sertanejos nos seringais da Amazônia provocou aumento na produção da borracha e ocasionou mudanças de hábitos, que Euclides da Cunha registrou no livro “A Margem da História”, nos seguintes termos: “Os tristonhos barracões cobertos de folhas de ubussu transmudaram-se em vivendas regulares ou amplos sobrados de pedra e cal. São imagem material do domínio e da posse definitiva”.

O seringueiro Secundino, que trabalhou riscando seringa no vale do rio Tapajós e hoje vive em Alter-do-Chão,Santarém/Pará, mostra a turistas como são feitos os riscos na seringueira e instalada a vasilha para a qual converge o leite que a árvore libera.


De 1895 até 1911, o Brasil foi o maior de todos os outros fornecedores remidos de produção de borracha no mundo. O ponto máximo foi alcançado em 1911, vindo a seguir o declínio que se tornou profundo em torno de 1923. Com a crise do ouro negro, avultou a extração da castanha, que passou a ocupar então o primeiro lugar na exportação do Amazonas e Pará. A lavoura voltou a ser praticada nas áreas de seringais. Na fase áurea da borracha ela chegara a ser proibida. Não foi á toa que, por volta de 1900, faltou mandioca na Amazônia, levando o caboclo a passar fome. Quem tentasse praticar o cultivo de roça perdia a plantação e era expulso dos seringais. Para atender as necessidades essenciais do seringueiro, os proprietários de casas aviadoras valeram-se do regatão para transportar e vender seus produtos. O regatão é um elemento de regateio, corporificado em um barco que fazia o comércio na região, cujo negócio é feito a trôco de mercadorias. O barco podia ser a “montaria”, o reboque ou navio a vapor, que levava bugigangas diversas. De modo geral, o regatão era emissário de uma casa de comércio de Manaus ou Belém. Nos barcos a vapor, onde o espaço era maior, via-se, desde o alfinete até o arpão de pescar pirarucú. Encontravam–se fazendas ordinárias, sêda, espelhos, perfumes, vestidos feitos, sabão, sapatos, botinas, cigarro, fumo em rolo, folha de abade, balas, chumbo, pólvora, faca, terçado, machado, sal, açúcar, café, farinha, peixe salgado, carne salgada, martelo, serrote, pregos, linha de pesca, linha de costura, agulha, querosene, chapéu, alpercata, fósforo, etc. O regateiro usava de muita lábia para convencer o comprador. O seringueiro também usava de malicia desfazendo de alguns produtos para forçar a redução do preço. Desdobrando–se em amabilidades, o regateiro acabava fechando algum negócio, com promessa de embarcar, na descida da embarcação, tanto quilo de borracha ou produtos que ele escolhia. Nem sempre o comprador honrava o prometido, levando o regateiro à falência. O seringueiro chamava ao ato expressivo do regateiro de ciganagem, porque o cigano sempre foi considerado um comerciante traiçoeiro. Porém, nem todos os caboclos falhavam com o pagamento dos bens adquiridos. A palavra dada era sagrada.
Plantação racional de seringueira em São Paulo, Estado que desponta como o maior produtor de borracha natural do Brasil. A seringueira plantada leva 7 anos para começar a ser sangrada e alcança entre 15 a 20 metros de altura.As sementes são ricas em óleo. Constituen-se em matéria prima para o fabrico de resinas, vernizes e tintas. A tecnologia permite que a plantação de seringueiras seja um grande investimento.O Brasil só produz 35% da borracha que consome.
 
                         Julgo uma injustiça dizer que o caboclo é vadio. Gente indolente e furtiva existe em qualquer canto, mesmo nas grandes cidades. Os caboclos pobres e, dos sítios de beira–rio, não se aventuravam a trabalhar para os fazendeiros porque perderiam a rotina de uma vida meio livre. Caçavam, pescavam, colhiam castanhas e sementes de cacau, murumuru, pracaxi, ucuuba, andiroba, patauá e outros produtos que tinham boa aceitação no mercado. As mulheres teciam algodão, faziam paneiros, matapis, jamaxis, fabricavam sabão com casca de cacau queimado e óleo de andiroba, rapadura, mel de cana de açúcar e extraiam óleos de sementes nativas. Tendo um dinheirinho para comprar os gêneros de alimentação básica já estava bom à beça. Mas, poucos eram tão arrojados como o senhor Antônio Leite Cavalcante. Este cidadão era um cabra de fibra e profundamente honesto. Passou grande parte da sua vida morando só. Quando foram recrutados os soldados da borracha, ele se apresentou como voluntário. Na forma do aviso nº. 1262, de 24 de maio de 1943, emitido pelo Ministério da Guerra, Antônio Leite Cavalcante virou soldado da borracha, porque empregava suas atividades dentro dos seringais em trabalhos ligados à extração da borracha. A atividade que ele desenvolvia tinha importância bélica, necessária para os triunfos dos aliados, na II Guerra Mundial. Recebeu roupa, alpercata, chapéu, rede, mochila, caneco, prato fundo, garfo e colher. Enquanto durasse o esforço de guerra, os saldados da borracha teriam as seguintes vantagens: cr$ 6,00 (cruzeiro) diários sem atuar e cr$ 10,00 (dez cruzeiro) trabalhando; recebia 60% (sessenta por cento) da borracha extraída; 50% (cinqüenta por cento) da castanha coletada e da madeira derrubada; uso pleno da caça e da pesca; três tarefas de terra para plantar, se a terra não fosse de fazendeiro. Segundo dados registrados pela Comissão Administrativa de Encaminhamentos de Trabalhadores para a Amazônia - CAETA, 16.325 trabalhadores do Nordeste foram encaminhados para os seringais, entre novembro de 1942 a 8 de maio de 1945. Com eles vieram 8.055 dependentes, perfazendo o montante de 24.300 pessoas.

"Soldados da Borracha" trabalhando no convés de uma embarcação utilizada no transporte de bolas de borracha preparadas artezanalmente pelos seringueiros. Alguns "fabricantes" incluiam pedras e pedaços de ferro nas pelas, a fim de obterem vantagem na hora da pesagem. Para evitar esta prática, os compradores de borracha cortavam as pelas no sentido transversal.

         Antônio Leite Cavalcante passava o verão riscando seringueiras e fabricando borrachas. No inverno ocupava-se das roças e criação de xerimbabos. Tinha um sítio no Igarapé Grande, Município de Mazagão, braço direito do rio Mutuacá. Colhia castanha nos vales dos rios Cajary e Jary, precisando remar dias seguidos. À noite, sob a panacarica, tosca tolda feita de varas, palhas e cipós, abrigava-se para recuperar energia despedida durante o dia. Quando a II Guerra Mundial acabou a rotina de seu Antônio não mudou. Os preços da borracha é que desabaram. Este fato fez a castanha ganhar mais cotação no mercado internacional. Vale lembrar que, até o anos de 1919, a exportação da castanha ficava em 5 mil hectolitros. Em 1926 a Amazônia exportava 120.417 hectolitros. Desde 1946, a infra-estrutura montada para a produção da borracha foi transferida para a extração da castanha. Entre janeiro e abril ocorre o ciclo da castanha. Como o período é das chuvas, o transporte fica mais fácil. Antes de surgirem as cooperativas, os castanhais eram livres e cada castanheiro agia por conta própria, sendo obrigado a entregar sua produção ao patrão que lhe fornecia os víveres. Seu Antônio Cavalcante também teve o seu patrão, que nem sempre foi correto. Lembro de um caderninho que ele deixou em casa, onde estão anotados a quantidade de produção e os valores a receber. Ao contrário dos outros coletores de castanha, Antônio Cavalcante sempre tinha consideraveis cifras a receber. Pagamento em dinheiro vivo era difícil de ocorrer. As agruras da vida poderiam ser atenuadas pela companhia de uma mulher

Mesmo idoso e fustigado pela malária, Antônio Cavalcante sempre possuia disposição para cuidar de suas criações e manter um roçado regularmente produtivo. Quando havia algum acontecimento significativo perto do local onde morava, o bravo soldado da borracha colhia alguns produtos e ia vendê-los. A foto foi tirada por mim,em 1984, no porto da Escola Primária Foz do Rio Mutuacá, distrito de Mazagão Velho.Em sua canoa havia frutas diversas e cana-de-açúcar.

 Seu Antônio bem que tentou manter uma família, mas não foi feliz. A mulher o deixou e a uma criança. Um dia, enquanto foi rapidamente ao roçado, seu Antônio manteve o filho dentro de casa. A criança nunca havia descido para o terceiro, fazendo-o numa data que o pai não gostava de lembrar. Aproximando-se do rio, a criança escorregou no meritizeiro e foi ao fundo. Resgatado o corpo, deu-se-lhe sepultura em Mazagão Velho. Como lembrança do filho ela guardava uma simples muda de roupa e uma fotografia que ambos tiraram ao lado da Escola do Mazagão Velho em dia de festa cívica. Ele aparece de perfil e o filho de costa. Enganado por um fotógrafo inescrupuloso, que lhe prometeu fazer a criança ficar de frente, o crédulo amazônida topou a empreitada. A mudança não ocorreu e a nova cópia é igual à primeira. O fotógrafo mal caráter precisou sumir da região porque perdeu a freguesia e o Comissário de Polícia prometeu prendê-lo. Ainda assim, as fotos estão postadas em uma moldura semelhante à prata, a qual conservo na sala da minha casa. Antônio Cavalcante era padrinho de águas bentas da minha esposa, Rosa Maria Lima de Araújo. Sem a luz em seus cansados olhos, seu Antônio veio morar conosco, em Macapá. Um dia, fez-me um pedido. Queria que eu o levasse para a casa do senhor Manoel Correa, seu compadre, que residia próximo a foz do rio Mutuacá. Atendi ao seu rogo. No porto do senhor Manoel ele disse: “Nilson, agradeço a Deus, a ti e a Rosinha pelo carinho recebido. Esta é a última vez que tu me verás com vida. Vou morrer dentro de 10 dias”. Seu Antônio era vidente, benzedor e rezador de ladainhas. Tal qual ele previu, sua morte aconteceu, no dia 2 de maio de 1987, exatamente dez dias depois que o deixei no Mutuacá. A foto colorida em que Antônio Cavalcante está em pé na sua canoa foi tirada no porto da Escola Foz do Rio Mutuacá, distrito de Mazagão Velho, 1984. Na  fotografia em preto e branco Antônio, ele prestigiava uma solenidade cívica na Escola Antônia Silva dos Santos, segurando a mão direita de seu pequeno filho.

Em solenidade cívica realizada na Escola Antônia Silva dos Santos, em Mazagão Velho, seu Antônio Cavalcante e o filho marcaram presença. Observe o traje que o destemido amazônida usava.Ele aparece de perfil,mas a criança ficou com a costa voltada para o fotógrafo. A creditando na lábia desonesta do fotógrafo, Seu Antônio tentou de tudo para ver se a criança virava de frente.






quinta-feira, 10 de maio de 2012

 ATO HERÓICO DE UM ASPIRANTE DO EXÉRCITO

 Por Nilson Montoril
                          

Mesmo sem a mão esquerda, Humberto Pinheiro de Vasconcelos continuou na ativa, ministrando instruções sobre o uso de granada, tanto em Vitória-ES como em Belém-PA, no 26º Batalhão de Caçadores. Tinha 48 anos quando matou o jornalista Paulo Eleutério na redação do jornal "O Liberal", na capital paraense. O ato tresloucado maculou seu conceito de herói.
                                                           
                     Em 1934, em Vila Velha-ES, no segundo andar do Quartel do 3º Batalhão dos Caçadores do Exército, o jovem aspirante de 22 anos, Humberto Pinheiro de Vasconcelos, iniciava as instruções sobre manuseio de granadas a 21 recem-incorporados às fileiras do Exército. A granada que ele usava não era de verdade e sempre ficava guardada na segunda prateleira de um armário. Ao abrir a porta do móvel, o aspirante Vasconcelos não encontrou o artefato no local onde costumava guardá-lo. Na primeira prateleira havia uma granada que, certamente, ele julgou ser a utilizada nos treinamento e que alguém tivesse mudado de lugar. Descreveu detalhes sobre o artefato e ressaltou os cuidados que um soldado precisa ter no seu manuseio. Ao retirar o pino de segurança, viu que tinha na mão direita uma granada verdadeira. Correu para a janela pensando jogá-la no pátio, mas no local havia muitas pessoas que assistiam um treinamento. Mandou que os recrutas deitassem no chão. Junto à janela, passou a granada para a mão esquerda e estendeu o braço para o alto e fora do prédio, deixando que o artefato explodisse, arrancando sua mão. 
Fotografia recente o atual 38º Batalhão de Infantaria do Exército sediado em Vila Velha, Espirito Santo. Em 1934, tinha a denominação de 3º Batalhão de Caçadores.Desde 1964, também é conhecido como Batalhão Tibúrcio. Foi nesta corporação, situada na Prainha e no Morro Moreno, que ocorreu o ato heróico do aspirante Vasconcelos, no ano de 1934


                Este ato de bravura foi narrado pelo Jornal “A Noite Ilustrada”, do Rio de Janeiro, edição nº. 215 que circulou no dia 18/4/1934. Em reconhecimento ao heróico feito do aspirante, o Presidente Getúlio Vargas lhe concedeu-lhe o privilégio de permanecer na ativa. Posteriormente, Humberto Vasconcelos foi transferido para Belém. Em 1945, Humberto Pinheiro de Vasconcelos ocupava o posto de capitão, quando o Ministério da Guerra o colocou à disposição do governo do Território Federal do Amapá. Desembarcou em Macapá no dia 7/6/1945, sendo recepcionado no aeroporto da Panair do Brasil pelo governador Janary Nunes, secretário-geral Raul Montero Valdez e Dr. Paulo Eleutério, chefe do Serviço de Informações. Foi nomeado Diretor da Divisão de Segurança e Guarda e Comandante da Guarda Territorial, substituindo o advogado, jornalista e tenente Paulo Eleutério Cavalcante de Albuquerque, ao qual cabe o mérito de ter organizado e instalado a Guarda Territorial, da qual foi o 1º comandante. Além disso, ele já vinha coordenando o Serviço de Informações e Comunicações do Território do Amapá, órgão que gerou o jornal Amapá e a Rádio Difusora de Macapá. 

Aos 22 anos de idade, usando o uniforme de aspirante da Arma de Infantaria do Exército, o aspirante Humberto Pinheiro de Vasconcelos evidencia os danos que a granada causou em sua mão e parte do braço. Nas solenidades militares ele não fazia uso da prótede de borracha. Considerado herói nacional, permaneceu na ativa até atingir o posto de general.

            Filiado ao Partido Social Democrático-PSD do Pará, Humberto Vasconcelos foi guindado à condição de Presidente do Diretório Territorial da referida associação política. Também integrou o grupo de cidadãos que fundou o Rotary Clube de Macapá, sendo o primeiro presidente da entidade. O capitão Vasconcelos usava uma prótese no braço esquerdo, que substituía a mão arrancada por uma granada. Vestia-se com esmero, preferindo roupas brancas. Ficava magoado quando alguém o chamava de mão-de-borracha. Humberto e Eleutério mantiveram convivência cordial enquanto residiram em Macapá. O relacionamento entre eles azedou em Belém à conta do clima político reinante do Pará. O Dr. Paulo Eleutério era secretário de redação do Jornal Liberal, pertencente a Magalhães Barata.

Embora não apresente boa resolução, a cópia da fotografia acima mostra a maioria dos fundadores do Rotary Clube de Macapá. Na primeira fila, usando paletó branco e sentado à esquerda do governador Janary Gentil Nunes,aparece o então capitão Humberto Pinheiro de Vasconcelos. Podemos observar que apenas sua mão direita é mostrada.
                  O capitão Vasconcelos atuava na oposição. A partir de 11/4/1950, os seguidores de Magalhães Barata, que dominavam o governo do Pará, iniciaram uma brutal perseguição a seus adversários, chegando ao cúmulo de dar um banho de fezes no jornalista Paulo Maranhão, dono do Jornal “Folha do Norte”. O atentado foi engendrado por Armando Corrêa, secretário-geral do governador Moura Carvalho. Em artigo publicado no jornal “O Liberal”, dia 19/5/1950, o articulista João Malato colocou em dúvida a masculinidade do capitão Vasconcelos. Na manhã do dia 20, o capitão foi à redação do jornal para tomar satisfações com Malato, mas não o encontrou. Foi então a sala de redação, onde se encontrava o jornalista Paulo Eleutério e, de revólver em punho, passou a agredi-lo verbalmente. Sentindo que as ameaças de morte do capitão fatalmente iriam se concretizar, Paulo Eleutério usou um velho revólver que pretendia levar ao um armeiro e atirou contra o capitão, atingindo-o sem gravidade à direita e à esquerda da clavícula. Ao ficar sem balas, o jornalista tentou se refugiar na gerência do jornal,mas foi surpreendido pelo antagonista. Manuseando uma arma de melhor precisão, o capitão alvejou Paulo Eleutério na perna e nas costa, matando-o. A 3/10/1950, Humberto Vasconcelos, filiado ao Partido Social Pogressista e compondo a Coligação Democrática Paraense, adversária de Magalhães Barata, elegeu-se deputado estadual com 5.018 votos. À conta da imunidade parlamentar adquirida como deputado estadual, Vasconcelos viu o processo instaurado no quartel-general da 8ª Região Militar e o processo judicial fluirem em camera lenta. Algumas testemunhas só foram ouvidas em 1954, quatro anos depois do crime. Ainda assim, testemunha chaves não foram ouvidas no processo militar.No dia 31/7/1951, ocupando a 2ª secretaria da mesa diretora da Assembléia Legislativa do Pará, Humberto Vasconcelos foi promovido ao posto de major do Exército Brasileiro. No transcurso do mandato, ele foi absolvido pelo Tribunal de Justiça do Pará. Ao deixar a Assembléia Legislativa, sentindo forte rejeição por parte da sociedade paraense, o major Humberto Pinheiro de Vasconcelos retornou a Vitória-ES, onde nasceu a 27/5/1912. Quando assassinou o jornalista Paulo Eleutério, Humberto Vasconcelos estava lotado no Departamento Estadual de Segurança Pública. Faleceu no dia 26/1/2002, com 90 anos de idade.

terça-feira, 1 de maio de 2012

PRENDA O PADRE JORGE BASILE


    PRENDA O PADRE JORGE BASILE

    Por Nilson Montoril

Padre Jorge Basile chegou a Macapá em 1948, para atuar na Pastoral da Educação e Comunicação do Pontificio Intituto das Missões Estrangeiras. Foi o mais amapaense dos padres italianos que trabalharam no Amapá. Além de sacerdote, foi professor, jornalista, radialista e membro da Academia Amapaense de Letras. Esta fotografia registra o momento em que o Padre Jorge fazia uso da palavra em sessão festiva da Academia.Ele sempre foi um homem destemido e amigo devotado. À direita do Padre Jorge Basile,no Plenário Mário Quirino da Silva,do Conselho de Educação,vê-se os acadêmicos Paulo Fernando Batista Guerra, Aracy Mont'Alverne e Manoel Bispo Corrêa. 

                        Na manhã do dia 12 de maio de 1964, o Tenente Uadih Accioly Charone, Diretor da Divisão de Segurança e Guarda e Comandante da Guarda Territorial foi chamado ao Palácio do Governo, então instalado em um velho casarão edificado na área hoje ocupada pela Biblioteca Elcy Rodrigues Lacerda, para falar com o governador Terêncio Furtado de Mendonça Porto. Assim que se apresentou, recebeu uma ordem que jamais esperava lhe fosse passada com tanto ímpeto e rancor: -“tenente Charone, prenda o Padre Jorge Basile e o próprio Bispo Aristides Piróvano se necessário”. Sem vacilar, o militar foi categórico em dizer que não a cumpriria. Foi imediatamente exonerado do cargo que ocupava e mandado que se recolhesse a Fortaleza São José. Esta determinação o tenente cumpriu imediatamente. Em pouco tempo os Delegados de Polícia, sargentos, cabos e soldados da Guarda Territorial também se recolheram à velha fortificação, deixando o Território do Amapá acéfalo quanto à segurança pública. Na época, ainda não havia corpo de tropa do Exército em Macapá. Funcionava apenas o Tiro de Guerra nº. 130, cujo diretor era o tenente Charone. O coronel Terêncio Porto era paraense e tinha sido nomeado para a cargo de governador pelo presidente Jango Goulart, que acatou uma indicação do coronel Janary Nunes, então exercendo o cargo de deputado federal. Nos 42 dias após a eclosão da revolução militar de 1964, muitas arbitrariedades foram cometidas em nome da revolução. O jornal “A Voz Católica”, editado pela Prelazia de Macapá, cujo redator era o Padre Jorge Basile, criticava os excessos praticados. Sem voz ativa com os integrantes dos órgãos de segurança pública, o governador comunicou o ocorrido ao Comando Militar da Amazônia/8ª Região Militar, Ministério da Justiça, Ministério da Guerra e Conselho de Segurança Nacional e solicitou tropas federais.
Coronel Terêncio Furtado de Mendonça Porto e seu padrinho político Janary Gentil Nunes desembarcando no Aeroporto Internacional de Macapá em 1962. Ambos foram solidários ao Presidente Jango Goulart após a renúncia de Jânio da Silva Quadros, mas evoluiram de opinião quando eclodiu a Revolução Militar de 31 de Março de 1964.

 Às 18h15m do dia 12 de maio, chegava a Macapá um avião da Força Aérea Brasileira transportando um contingente de soldados da 8ª Região Militar/ 26º Batalhão de Caçadores, comandado pelo capitão Francisco Moacyr Meyer Fontenelle. O destacamento veio fortemente armado, julgando que os revoltosos de Macapá estivessem dispostos a um enfrentamento. Parte do destacamento montou acampamento na Praça Barão do Rio Branco, para dar proteção ao governador, e os demais militares, sob o comando do capitão Fontenelle seguiram para a Fortaleza, onde não encontraram a menor resistência dos chamados “insurretos”. Alguns estudantes da Escola Técnica de Comércio do Amapá-ETCA, que foram prestar solidariedade ao tenente Charone, diretor do estabelecimento de ensino, em frente ao portão da Fortaleza, sentiram na pele a repressão dos agentes de um governo de exceção. Os lideres do movimento foram presos, o que bastou para a debandada dos demais.

Desfile do Dia da Pátria de 1963, realizado na Avenida Iracema Carvão Nunes, entre as duas alas da Praça Barão do Rio Branco, mostra o Tenente Uadih Accioly Charone em primeiro plano à frente do contingente da Guarda Territorial., saudando as autoridades que se encontravam no palanque oficial, entre elas o Governador Terêncio Furtado de Mendonça Porto. Destaque para o Inspetor Ítalo Marques Picanço, membro de tradicional familia local conduzindo a Bandeira Nacional.

 Às 21 horas, quando os ânimos estavam serenados, o governador Terêncio Porto nomeou o Secretário Geral Orlando Sabóia Barros para, acumulativamente, exercer o cargo de Diretor da Divisão de Segurança e Guarda e o Comando da Guarda Territorial. Três dias depois, a 15 de maio de 1964, tomava posse na Presidência da República o marechal Castelo Branco, que, na mesma data, nomeou o general Luiz Mendes da Silva para governar o Amapá. No dia 16 de maio, o capitão Fontenelle assumiu a DSG e a GT. Também exercia a interventoria no Sindicato dos Estivadores. A partir da sua posse, a conta da chamada “denúncia branca”, dezenas de pessoas foram presas, acusadas de pertencerem ao movimento comunista. Graças a sua atuação em Macapá, Fontenelle foi transferido para o Rio de Janeiro no posto de major. O Grupo Tortura Nunca Mais denuncia Fontenelle como um dos torturadores do DOI/CODI, no período 1969/1970. O Processo sobre tortura, que se encontra no Superior Tribunal Militar, relata detalhes de sua atuação. Em 29/8/1964, o tenente Charone, reabilitado, voltava a dirigir a DSG.