quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

CLEVELÂNDIA DO NORTE, COLÔNIA AGRÍCOLA E PRESIDIO





        CLEVELÂNDIA DO NORTE, COLÔNIA AGRÍCOLA E PRESIDIO

                                                                Por Nilson Montoril
Vista aérea da atual Colônia Militar do Oiapoque, em Clevelândia do Norte

                        Em 1919, o Senador paraense Justo Chermont fez um incisivo comentário no Congresso Nacional a respeito do abandono em que se encontrava a fronteira do Oiapoque e sugeriu que o governo federal alocasse recursos financeiros no orçamento do Ministério da Agricultura para a fundação de patronatos e colônias agrícolas nas faixas de fronteira do Brasil com os países visinhos. Ao referir-se à fronteira do Oiapoque com Guiana Francesa, Justo Chermont classificou-a como “terra abandonada e sem dono”. Essas colônias deveriam ser compostas por brasileiros, preferencialmente pelos nordestinos que viviam à míngua em suas terras devassadas pela seca. O Congresso Nacional aprovou sua proposição e o Governo da União cuidou para que a máquina administrativa tornasse realidade o que fora sacramentado pelos parlamentares. Dia 12 de março de 1920, foi publicado um ato assinado pelo Ministro da Agricultura instituindo a Comissão Colonizadora do Oiapoque sob a chefia do gaúcho Gentil Tristão Norberto, cidadão que já havia atuado nas terras do atual Estado do Acre e fez parte do grupo liderado por Plácido de Castro. Ele ostentava a patente de coronel do exército defensor do Acre, mas não era militar de carreira. Havia sumido do Acre por volta de 1916, deixando a fama de repressor cruel e pouco confiável. Como a região de fronteira integrava o Estado do Pará, o Ministro da Agricultura encaminhou correspondência ao governo paraense, datada de 10 de abril de 1920, solicitando a indicação do local e a cessão das terras à União a fim de que fossem iniciados os trabalhos de fundação do Centro Agrícola. Ainda em meados de abril, a Comissão Colonizadora seguiu para o rio Oiapoque, iniciando imediatamente suas atividades, procedendo às sondagens e o levantamento da zona cedida pelo governo paraense. No inicio do ano de 1921, teve inicio a implantação da colônia no trecho da margem direita do rio Oiapoque que iniciava na foz do rio Pontanarri e se estendia até a cachoeira da Grande Rocha, a  70 km do Cabo Orange e 15 Km da posição militar de Santo Antônio.
Planta da Colônia Agrícola de Clevelândia do Norte traçada em 1925

 A 7 de abril as obras de edificação tiveram inicio, compreendendo casas de madeira de lei,pintadas a óleo, envidraçadas, bem assoalhadas e tetos capazes de suportar a cobertura com telhas de barro tipo frances. Um prédio de 2 pavimentos para abrigar a administração da colônia, uma escola e um hospital também foram erguidos. Aliás, o Hospital já funcionava desde setembro de 1921, antes da inauguração oficial da colônia, que ocorreu a 5 de maio de 1922. Além dos membros da comissão e trabalhadores das obras, o Hospital já atendia soldados do destacamento de Santo Antônio. A escola iniciou suas atividades no dia 1º de fevereiro de 1922, com 46 alunos matriculados, todos filhos de colonos nordestinos. Á época em que estes fatos ocorreram, a região do Oiapoque pertencia ao Município de Amapá-Montenegro, cujo intendente do era o coronel Júlio Benicio Pontes, conhecido pecuarista amapaense. A assistência religiosa prestada aos residentes em Clevelândia do Norte estava a cargo do padre francês A. Gross, vigário de Saint Georges, na Guiana Francesa. O Comandante da 8ª Região Militar, sediada em Belém, coronel Raimundo Barbosa, visitou as instalações militares de Santo Antônio e a colônia de Clevelândia nos meses de julho e agosto de 1923, ficando surpreso com a bela obra que ali se realizava. De fato, Clevelândia já possui hospital, escola, sede da administração, hospedaria de imigrantes; o posto Rádio-Telegráfico, serraria, Igreja e várias casas particulares. No espaço antes dominado pela mata os colonos cultivavam banana, mandioca, cana, hortaliças, leguminosas e árvores frutíferas. Os lotes ocupados pelos colonos estavam demarcados ao longo de um caminho vicinal com 20 km de extensão.

Sobre uma pedra com formato similar a que existiu na frente de Macapá, foi assentada uma cruz branca.No muro de arrimo, na parte que adentra no rio Oiapoque vemos uma edificação que lembra o frontispicio da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré erguida na cidade de Belém. A frase em branco é basicamente a mesma que esta escrita no Marco Fronteiriço, na orla da cidade de Oiapoque.
 Tudo caminhava dentro dos planos elaborados quando, no dia 26 de dezembro de 1924, o navio “Cuyabá, que o governo brasileiro havia confiscado de uma empresa alemã durante a 1ª Guerra Mundial e incorporado a sua frota mercante, chegou a Clevelândia transportando um grupo de 250 presos políticos e criminosos sentenciados. Feito o transbordo, o “Cuyabá” seguiu para Manaus, retornando no dia 6 de janeiro de 1925, uma 3ª feira, conduzindo 120 presos políticos que haviam participado da revolta que os tenentes da capital amazonense desencadearam para depor o governador Turíbio Meira e implantar um governo socialista, fato ocorrido no dia 23/7 de 1924. O chefe do executivo estava ausente do Brasil e ocupava o cargo o vice-governador Turiano Meira que fugiu pela porta dos fundos do palácio. Os revoltosos pretendiam promover a emancipação dos pobres e cobrar altos impostos aos ricos para atender aos necessitados. O 1º tenente Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, líder dos rebeldes que se declarou governador do Amazonas afirmou categoricamente: “Essa gentalha macabra e covarde não deve e não pode permanecer neste solo bendito”. 

O 1º Tenente Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, lider da revolta dos tenentes na capital amazonense discurso rodeado por mais de cem mil populares que foram prestar solidariedade aos responsáveis pelo golpe de 23 de julho de 1924.

O povo amazonense foi às ruas comemorar o feito dos revolucionários. Estima-se que mais de cem mil pessoas se concentraram em frente ao Palácio do Governo paro ouvir o discurso inflamado do tenente Ribeiro Júnior. Á época do golpe, Manaus tinha 75.704 habitantes, a maioria desempregada e vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta. O funcionalismo estava com seus salários atrasados e os devedores do fisco não pagavam suas dividas. Além disso, a borracha, principal produto de exportação do Estado do Amazonas estava sem preço. Na cidade de Óbidos, vários revoltosos se instalaram na fortaleza local e se mantiveram em prontidão. O comando da sedição criou o “Tributo da Redenção”, com o propósito de confiscar os bens e as contas bancárias dos oligarcas para transformar em pagamento do funcionalismo. A firma inglesa “Manaos Market” que gerenciava o porto e o mercado foi obrigada a pagar o que devia ao estado. Entretanto, no dia alegria deles durou pouco tempo. A 28 de agosto de 1924, o destróier Mato Grosso da Marinha de Guerra  chegou a Manaus e bombardeou as posições dos rebelados.Tropas legalistas fizeram o cerco por terra, dominaram a situação e prenderam os revoltosos. Quando da chegada dos 120 presos amazonenses, Clevelândia do Norte já havia recebido 250 “indesejáveis” provenientes do Rio de Janeiro e São Paulo que ali desembarcaram no dia 26/12 de 1924. Essa leva de prisioneiros fora desterrada para a fronteira norte do Brasil porque participou do levante da guarnição do Forte de Copacabana em 1922 e da sucessão paulista de 1924. Porém, entre eles foram incluídos criminosos comuns sentenciados. O número de desterrados era então da ordem de 370 “indesejáveis” e iria crescer muito mais. Em meados de janeiro de 1925, desembarcaram em Clevelândia mais 577 presos que se encontravam trancafiados na penitenciária de Catanduva, no interior do Estado de São Paulo.

Foto da equipe de governo do Presidente Arthur Bernardes, que vemos sentado na cadeira ao centro da fotografia. No decorrer de sua gestão o Brasil viveu momentos angustiantes decorrentes de seguidas rebeliões. O "Estado de Sitio", dispositivo que já não existe mais na Constituição vigorou e motivou a punição de pessoas consideráveis indesejáveis

 Ainda no decorrer do ano de 1925, viviam em Clevelândia cerca de 1.630 deportados. Criada em 5 de maio de 1922, como Colônia Agrícola do Oiapoque, Clevelândia recebeu os primeiros colonos, a maioria nordestinos, no dia 24 do citado ano e mês. A partir de 1924, a finalidade da colônia foi desvirtuada. Até 1930, Clevelândia foi um presídio político onde os desterrados conviveram permanentemente com a morte devido à insalubridade de alojamentos, alimentação de má qualidade, doenças como malária, beribéri, febres, convulsões, inapetência, inchação dos membros inferiores, precariedade de atendimento médico, diarréia e prostração generalizada. No Hospital Simão Lopes só havia duas seringas de injeção para atender diariamente cerca de 120 indivíduos. A concentração de tanta gente fez rebentar invulgar epidemia de diarréia ceifando a vida de prisioneiros e colonos. Isso fez recrudescer o fluxo migratório e motivou a mudança de inúmeras famílias de colonos para outras localidades livres da doença. A presença de tantos degredados obrigava o governo federal a mandar suprimentos alimentares necessários à sobrevivência deles. A preciosa carga era transportada regularmente por navios que faziam a linha costeira e estendia suas viagens até Manaus. Com a madeira derrubada na limpeza da área destinada ao plantio, construíram um trapiche e ampliaram a serraria. Entre outras espécies de madeira de lei havia o pau-rosa, fato que fez surgir uma usina movida a caldeira para a extração da essência tão apreciada que a árvore contém. Em 1927, Clevelândia do Norte já estava em franca decadência. A opinião pública contestava sua existência e rogava pela extinção do campo de concentração. A presença dos presos condenados de justiça não favorecia a paz necessária aos colonos. Por incrível que pareça, a anistia dos indesejáveis foi concedida no momento em que o Brasil estava dominado pelo clima revolucionário de 1930. Somente dez anos depois é que a direção da antiga Colônia Agrícola de Clevelândia foi passada ao Exército Brasileiro, que ali se instalou a 17 de junho de 1940, com o Pelotão de Fuzileiros Independentes do Oiapoque.

Marco fronteiriço implantado à margem direita do rio Oiapoque, na frenta da cidade de Oiapoque.Nele está contida a inscrição"Aqui Começa o Brasil".No outro lado do rio vemos terras da Guiana Francesa,Departamento Ultramarino da França.
 Livre dos presos políticos e dos condenados de justiça as mudanças em Clevelândia foram ocorrendo progressivamente. No dia 11 de novembro de 1964, o fracassado núcleo agrícola mudou de nome passando à denominação de Colônia Militar do Oiapoque. As prisões de políticos ocorreram em maior escala no decorrer do governo de Arthur Bernardes, principalmente entre 1924 e 1926. No período 1924/1925, de 946 desterrados morreram 492, aproximadamente 52% dos indesejáveis. Na ância de deixar a cidade do Rio de Janeiro livre de elementos problemáticos, a polícia incluía entre os presos políticos os vadios, revoltosos, anarquistas, gatunos, vigarista, sindicalistas, homicidas e abandonados de rua. Cada viagem entre o Rio de Janeiro e Clevelândia durava 15 dias. Os presos eram transportados pelos navios a vapor Cuyabá, Campos e Caxambu. Em algumas oportunidades, à altura da foz do rio Oiapoque ocorria o transbordo dos desterrados para o navio “Oyapoque” que integrava a frota do Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará, cabendo-lhe deixar os indesejáveis em Clevelândia. Acreditava-se que ninguém conseguiria escapar de Clevelândia do Norte, mas consta que 262 presos conseguiram fazê-lo através da Guiana Francesa. O campo de concentração estava instalado a 15 km do posto militar de Santo Antônio, próximo  a cidade guianesa de Saint George, onde sempre havia alguém disposto a ajudá-los em troca de uma boa recompensa. O primeiro fugitivo foi o pintor e decorador Pedro Aleves Carneiro, evadido no dia 17 de fevereiro de 1925. O nome da localidade situada à margem direita do rio Oiapoque é uma homenagem do governo brasileiro ao presidente dos Estados Unidos da América do Norte, Grover Cleveland que atuou como árbitro nas questões de fronteiras que o Brasil teve com a Guiana Inglesa, atual República da Guiana e com a Argentina, relativa ao território de Palmas em terras do Paraná. A Clevelândia do Sul, que hoje é a sede do município de Clevelândia fica no sudoeste do Estado do Paraná.
Vista aérea da cidade de Clevelândia, no Estado do Paraná

 O município paranaense de Clevelândia foi fundado através da Lei nº 28 de 28 de julho de 1892, bem antes do surgimento da Clevelândia do Norte que se localiza no Rio Oiapoque, fronteira com a Guiana Francesa.  Nesta, encontra-se instalada a base militar da 1ª Companhia de Fuzileiros de Selva do exército brasileiro. Quando o presídio de Clevelândia do Norte foi fechado, os desterrados que sobreviveram a tantos sofrimentos retornaram ao Rio de Janeiro a contar de 7 de fevereiro de 1927. Ainda hoje, em Santo Antônio, existem ruínas de alguns prédios do núcleo inicial de Clevelândia, mas pouca gente sabe disso.

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